Uma fotografia nocturna da Europa tirada do espaço revela-nos, através das manchas luminosas das grandes aglomerações humanas, a distribuição espacial dos seus habitantes, por sua vez indicativa da localização dos principais centros de produção industrial e de serviços.
O núcleo central da Europa, englobando a Alemanha Ocidental, a Holanda, a Bélgica e a região de Paris, prolonga-se a Norte até à Dinamarca, a Sul até ao Norte da Itália e, a Leste, até à Áustria. Ao largo da Europa, a iluminação nocturna sinaliza um conjunto de arquipélagos geo-demográficos mais ou menos próximos do centro. No sentido dos ponteiros do relógio, são eles a Grécia, o Sul da Itália, a Ibéria, a Grã-Bretanha, o Sul da Escandinávia e a Finlândia.
Portugal é, do ponto de vista geo-estratégico, uma ilha do arquipélago ibérico, de peso demográfico similar ao de Madrid e da Catalunha, embora mais excêntrica. Somos o país mais periférico da Europa, um sério handicap que, ao longo dos séculos, remetendo-nos para a margem das rotas de mais intensa circulação de pessoas, bens e ideias, prejudicou o desenvolvimento do país.
Deveria, pois, ser óbvia a relevância de tudo o que minimize o ónus da nossa distância física em relação ao núcleo da Europa, quer se trate de estradas, comboios, aviões, telefones ou internet. Tudo isso é preciso, mas não resolve o problema de fundo, porque, apesar das melhorias absolutas que o investimento em comunicações traz consigo, a nossa situação relativa pouco se altera se os outros fizerem esforços semelhantes.
Em vez de nos resignarmos a estar no fim de linha, temos que esforçar-nos constantemente por sermos um ponto de passagem obrigatório para outra coisa. Foi isso que fizémos de vários modos ao longo da nossa história: na Idade Média, ligando o Mediterrâneo ao Atlântico, o que explica as relações privilegiadas com a República de Génova e com a Inglaterra; mais tarde, expandindo-nos no Atlântico Sul rumo à África, à América do Sul e à Ásia.
Um país distante dos centros gravitacionais do poder económico europeu só pode contrariar a sua excentricidade transformando-se numa plataforma (ou hub, como agora se diz) capaz de potenciar a sua articulação com outros centros externos ao Continente. O modo como isso se faz muda continuamente, e, em certas circunstâncias, de forma súbita: situados em corredores de transição de um para outro centro de atracção, os hubs são pontos sensíveis e frágeis das redes mundiais de trocas, sujeitos a perturbações bruscas que, por vezes, os forçam a modificar rapidamente a sua vocação, atravessando com regularidade fases críticas de regressão.
Do que não há dúvida, é que um país com estas características tem de ser capaz de pensar a sua inserção estratégica nas redes mundiais de circulação de pessoas, mercadorias, informação e conhecimento. Ora, os instrumentos cruciais para o cumprimento desse propósito são, nos dias que correm, de três tipos: em primeiro lugar, aeroportos, portos e serviços conexos; em segundo lugar, universidades e centros de investigação; em terceiro lugar, infra-estruturas capazes de suportarem uma oferta turística variada, atraente e crescente.
Quem entende isto não faz perguntas absurdas sobre a relevância do investimento em aeroportos, terminais de contentores, comboios de alta velocidade, internet de banda larga, literacia digital ou estradas para a competitividade nacional, nem insiste em avaliar projectos nessas áreas ignorando as correspondentes externalidades com o argumento de que é impossível quantificá-las com rigor.
A análise custo-benefício tão cara a alguns economistas obriga à quantificação de ganhos que, pela sua própria natureza, não têm preço. Logo, só fará sentido se previamente nos pusermos de acordo sobre a relevância de certos propósitos para o nosso viver colectivo. Sucede que isso exige a clarificação de um desígnio nacional, isto é, de uma visão do que é necessário fazer para sermos um país viável e próspero. Sem estratégia nacional, não há análise custo-benefício que nos valha.
A racionalidade procedimental discute a adequação de certos meios a dados fins, mas nada pode dizer-nos sobre quais deverão ser esse fins. A teoria económica encara-nos como seres objectivos e calculadores, mas todos sabemos que não é assim que funcionam as pessoas inteligentes. Sugiro que, em vez de pormos as pessoas inteligentes a raciocinar como economistas, deveriamos tentar pôr os economistas a raciocinar como pessoas inteligentes, ou seja: com os pés no chão e a cabeça no ar.
(Publicado no Jornal de Negócios de 29.7.09)
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