“Portugal sem potencial depois desta recessão.” “Crescimento do produto potencial será quase nulo nos próximos anos.” “Fraco potencial condena Portugal a crescimento medíocre”. Títulos deste género são comuns na imprensa portuguesa. Que verdade há neles?
O crescimento de uma economia acima de um nível de actividade sustentável pode conduzir a um aumento generalizado dos preços. Por isso, as autoridades responsáveis pela política económica (principalmente, as que cuidam da política monetária) tentam determinar esse “nível sustentável”, a que se dá o nome de “produto potencial”. Quando o produto real é idêntico ao produto potencial não há recursos de capital e trabalho desocupados nem pressão excessiva sobre eles.
O produto potencial não é directamente observável, visto que as estatísticas registam apenas a actividade real. Assim, torna-se necessário estimá-lo recorrendo a alguma forma de tratamento de dados. As técnicas mais elementares recorrem a um mero alisamento das tendências através da computação de médias móveis que atribuem um maior peso relativo às observações mais recentes. As mais complexas, estimam uma função de produção para a economia, a partir da qual se obtém o produto potencial com base em estimativas do stock de capital, do emprego potencial e da produtividade de ambos. Curiosamente, não há muitas vezes grandes diferença entre os resultados produzidos pelas duas classes de métodos.
Esta breve exposição torna claro que o produto potencial é um conceito retrospectivo, não prospectivo. Elucida-nos – melhor ou pior – sobre o que se passou, mas é abusivo usá-lo para projectar tendências futuras, porque nada garante que as condições recentes persistirão. A economia irlandesa viveu longos anos de estagnação após a adesão do país à CEE; depois, a partir de meados dos anos 80, começou a crescer muito depressa, fenómeno que a estimativa do produto potencial fora incapaz de prever.
Quando o passado recente é de crescimento lento, o produto potencial tenderá a subestimar a tendência de crescimento futura. Porém, se os agentes económicos tomarem a sério a previsão – que Deus nos defenda! – a retracção do investimento poderá contribuir para gerar uma efectiva estagnação económica. A palavra “potencial” induz naturalmente em erro os leigos, visto poder ser interpretada como uma essência que aguarda ainda a sua plena concretização. Quantas vezes será preciso repetir que não há formas determinísticas de prever o futuro da economia?
A contabilidade nacional não lida com factos, mas com interpretações, plasmadas em conceitos que se espera sejam úteis para entender a realidade económica. Por decorrência, o cálculo do produto potencial não passa de uma interpretação de interpretações. Para além de depender exclusivamente de observações passadas, ainda por cima sujeitas a frequentes e substanciais revisões, a validade das próprias metodologias utilizadas está longe de ser consensual. Segundo investigadores como van Norden e Orphanides, as técnicas utilizadas são tão pouco fiáveis que as correcções a posteriori da diferença entre produto real e produto potencial não se afastam muito do próprio hiato estimado.
A utilidade da estimação do produto potencial é quando muito analítica, visto que nos ajuda a identificar, ao nível macroeconómico, os estrangulamentos que inibiram um melhor desempenho no passado, seja ao nível da quantidade e qualidade do trabalho, da dimensão e orientação do investimento ou da produtividade dos factores – sem esquecer, porém, que essas variáveis usualmente deixam por explicar nada menos que metade da variação observada. No caso português, por exemplo, as principais debilidades identificáveis são a fraca qualidade do investimento público e privado e o bloqueamento da produtividade. Se o Estado e os empresários trabalharem denodadamente para corrigir essas fragilidades, nada impedirá que o país regresse a taxas de crescimento mais satisfatórias.
Entende-se – e, até certo ponto, desculpa-se – que jornalistas pouco versados nas minudências do cálculo do produto potencial cometam a imprudência de anunciar um futuro apocalíptico para a economia portuguesa a partir de dados que não autorizam tais conclusões. Mas deve-se exigir aos economistas profissionais, conscientes das limitações do conceito, que esclareçam as coisas em vez de contribuírem para aumentar ainda mais a confusão dos espíritos.
(Publicado no Jornal de Negócios de 23.9.09.)
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
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