Quando nasci, a travessia do Tejo mais próxima de Lisboa era em Santarém. Pouco tempo depois, foi inaugurada a de Vila Franca. A única auto-estrada do país ligava Lisboa ao estádio do Jamor. Em 1962, construiu-se, a muito custo, um troço de Lisboa a Vila Franca.
Atravessar o país de norte a sul demorava quase 24 horas, quando agora um terço desse tempo bastará. Foi preciso esperar pelo século XXI para ser possível ir de comboio directamente de Faro a Braga.
O aeroporto do Funchal foi inaugurado em 1964, o de Faro em 1965, o de Ponta Delgada em 1969. A construção dessas infra-estruturas, aliada à expansão do aeroporto de Lisboa, possibilitou o rápido crescimento do turismo.
Em 1970, só havia água canalizada em 47% das habitações, instalações sanitárias em 58% delas, electricidade em 64% e saneamento básico em 60%. Todas essas amenidades são hoje consideradas triviais. Foram erradicadas as barracas, onde ainda em 1981 viviam 75 mil pessoas. Entre 1995 e 2008 passou de 32% para 64% a proporção de novos fogos com três ou mais quartos.
A taxa de mortalidade infantil é umas 24 vezes inferior à de 1960. A esperança de vida cresceu 15 anos desde a mesma data. Há 5,5 vezes mais médicos e 6 vezes mais enfermeiros. Os portugueses são agora 2,5% mais altos do que há uma geração atrás, resultado que traduz a melhoria geral das condições de saúde.
Um em cada três portugueses era analfabeto em 1970. Havia pouco mais alunos universitários do que hoje há professores. Porém, neste meio século, cresceu 41 vezes o número de crianças que frequentam o pré-escolar. Na última década do século XX duplicou o número de licenciados pelas universidades portuguesas, o que voltou a acontecer na década seguinte. Em cinquenta anos, a proporção de portugueses com curso superior passou de 1% para 12% da população com mais de vinte anos.
Há 11 vezes mais bibliotecas com 9 vezes mais utilizadores e 3 vezes mais museus com 11 vezes mais visitantes que há cinquenta anos. A I&D quintuplicou em proporção do PIB em vinte e cinco anos, enquanto foi multiplicado por 10 o número de investigadores. No período compreendido entre 1995 e 2008 cresceu 10 vezes o número de empresas com actividades de I&D. A exportação de serviços tecnológicos cresceu 8 vezes no mesmo período.
Ouve-se hoje muitas queixas sobre a herança que vamos deixar às novas gerações. Porém, mesmo sem falar do progresso dos costumes e das liberdades individuais e colectivas, ela é bem mais invejável que aquela que a minha recebeu. Em vez de herança pesada, deveríamos antes falar de herança de peso.
Deixemos aos historiadores a tarefa de esclarecer que proporção do investimento realizado deve ser considerada desperdício. O desafio pragmático que hoje se nos coloca é o de tirar o máximo partido dos recursos materiais e humanos entretanto acumulados sob a forma de infra-estruturas, equipamentos públicos e privados, capacidade de trabalho, conhecimento genérico e know-how específico.
A um avanço impetuoso, muitas vezes governado por uma crença ingénua nas virtualidades do investimento independentemente da sua qualidade, deve agora suceder uma fase de consolidação – não de abandono ou de destruição por incúria – do património existente. Precisa-se, pois, de uma estratégia mais orientada para a valorização do que temos, que nos permita passar do crescimento extensivo das últimas décadas para um crescimento intensivo.
Vejamos alguns exemplos. A existência de excelentes vias de comunicação possibilita a concentração de equipamentos de saúde e educação com ganhos de economia e qualidade, que podem e devem estender-se à reorganização administrativa do território. Os resultados extraordinários já alcançados com o Alqueva devem ser completados com obras de pormenor que permitirão tirar pleno partido do grande investimento realizado. O alargamento do canal do Panamá deve ser aproveitado para, explorando o que foi feito no porto de Sines, atrair investimento do Extremo Oriente que promova a montagem de produtos industriais dirigidos ao mercado europeu. Por último, é necessário assegurar, articulando a acção do estado com as empresas e os centros de investigação, que o país aproveite convenientemente o grande aumento do número de doutorados e investigadores tendo em vista a melhoria da competitividade das suas empresas.
Herdeiros diligentes esforçam-se por dar bom uso ao legado que recebem; beneficiários incompetentes e mal-agradecidos perdem-se em recriminações enquanto deixam ao abandono o invejável património que lhes caiu em sorte. É esse o verdadeiro dilema que nos coloca a herança de peso dos consideráveis investimentos orientados para a requalificação do país que realizámos ao longo do último meio século.
(Publicado no Jornal de Negócios em 3.1.12)
Do colonialismo sionista
Há 5 horas
Sem comentários:
Enviar um comentário