Parece-me pouco convincente o argumento (chamemos-lhe assim) contido no Manifesto dos 28. Eis por quê:
1. A discussão da situação é unilateral e enviezada. Conhecemos a gravidade dos desequilíbrios económicos internos e externos do país, mas não pode negar-se a dinâmica subjacente que tem vindo a criar condições para superá-los. Ficando-nos pelo essencial, alterou-se drasticamente em muito pouco tempo o padrão das nossas exportações, predominando agora sectores e produtos com mais valor acrescentado e conteúdo tecnológico. Os efeitos da transformação tardaram a evidenciar-se, porque a emergência do novo fez-se acompanhar do rápido afundamento do velho, mas é indiscutível que em 2006 e 2007 as exportações cresceram de forma sustentada acima das importações, evolução que só foi interrompida quando dispararam os preços do petróleo e demais matérias-primas. Tudo indica que Portugal está no bom caminho para resolver os tais desequilíbrios.
2. Os pressupostos da análise estão mal fundamentados. O Manifesto sustenta que a presente crise vai agravar a situação financeira do país, mas isso parece pouco provável. O problema central da escassez de poupança será pelo menos fortemente atenuado, como resulta da queda do consumo ao mesmo tempo que os salários reais aumentam. A brutal contracção do nosso comércio externo implica que o défice das transacções correntes baixará muito em proporção do produto. Logo, cairão as necessidades de financiamento externo.
3. Em Portugal, como em todo o Mundo, as empresas e as famílias reagiram à incerteza retraindo o investimento e o consumo e, assim, aumentaram muito as suas poupanças. Logo: a) não haverá nos próximos tempos falta de fundos disponíveis para investir; b) só o investimento público poderá travar o agravamento da crise. É absurdo pretender-se que, nestas circunstâncias, o investimento público poderá prejudicar o privado.
4. Uma enumeração de sintomas não é um diagnóstico. Em resumo, eis o meu: O modelo económico que emergiu em Portugal nos anos 50 do século passado entrou em decadência. Os fundos europeus camuflaram o seu esgotamento, de modo que a transformação só se iniciou quando as nossas empresas sofreram em cheio a concorrência dos países do Leste europeu e da China. Como, entretanto, o país se privara de boa parte dos tradicionais instrumentos de política monetária, não houve outro remédio senão aguardar que a reorientação empresarial para novos produtos e novos mercados se concluísse, procurando entretanto minorar os danos políticos e sociais. A crise orçamental foi um mero epifenómeno deste processo.
5. É absurdo basear-se uma estratégia para o país na enumeração de vulnerabilidades. Uma estratégia constrói-se a partir de oportunidades, forças, capacidades, competências e recursos existentes. O que quer que venhamos a fazer resultará decerto da potenciação daquilo que de positivo já existe ou está a emergir. Todavia, os subscritores do Manifesto do 28 parecem só conhecer o país através da Contabilidade Nacional.
6. É falacioso pretender-se que, se no passado se errou nos investimentos públicos, isso prova que eles não são necessários para melhorar a competitividade. Não podemos julgar os projectos presentes pela eventual mediocridade dos passados.
7. A competitividade de um país periférico, ainda por cima de vocação turística, é muito condicionada pela qualidade das suas ligações rodoviárias, ferroviárias, aéreas e portuárias ao resto do Mundo e, antes de mais à Europa. A necessidade do novo aeroporto de Lisboa não depende da evolução recente da procura, porque ele já se encontra congestionado há anos, provocando a degradação da qualidade do serviço percebida pelos passageiros internacionais. O mesmo se passa na linha do Norte, cuja capacidade não permite aumentar a frequência e a velocidade das múltiplas composições inter-regionais, regionais e suburbanas que nela circulam. Precisamos urgentemente duma nova ligação Lisboa-Porto que, já agora, convirá que seja de alta velocidade. A evolução dos preços da energia torna a decisão mais premente. Tudo factos que não se lêem na Contabilidade Nacional.
8. Pede o Manifesto dos 28 que o programa de investimentos públicos seja submetido ao escrutínio de um painel de técnicos independentes. Ora a avaliação custo-benefício, exigida por pessoas que nunca a ela recorreram quando desempenharam cargos governativos de relevo, implica a atribuição de valores monetários a coisas que não têm um preço, como sejam a vida humana ou a protecção do ambiente. Logo, tem implícitas preferências de todo o género, a que em rigor só se pode chamar prioridades políticas. Por que deveremos nós delegar num grupo de alegadas sumidades uma tal responsabilidade?
O receio de decidir e agir é um traço de personalidade associado à improdutividade. Os autores do Manifesto justificam a inacção com a necessidade de se pensar melhor sobre o assunto, mas, pela amostra, a qualidade da reflexão também não se recomenda.
Artigo publicado no Jornal de Negócios de 25 de Junho de 2009.
Fascismo e antifascismo
Há 13 horas
4 comentários:
Eu adorava saber onde andavam todos estes ilutres do manifesto quando começou a crise Mundial.
Tudo pela calada e sem ideias nenhumas, nessa altura é que podiam ter tentado adivinhar o futuro...
Odeio estes tipos sabichões, velhos do restelo, que procuram protagonismo, na verdade o que mais os preocupou na vida foi " tachinhos " (resalvando aqui algum caso de excepção).
Eles não querem saber de Portugal, eles querem é assinar o nome deles por baixo e parecer que são os tipos mais inteligentes de Portugal.
a palavra ressalvando escreve-se com dois " s" claro...
sorry
Concordo em geral com os argumentos aqui apresentados. Tenho, no entanto, dúvidas quanto ao ponto 8. Concordo que o governo deva investir em obras, dinamizar a economia. Apesar disso, e tendo em conta que se estão a gastar dinheiros públicos, parece-me que parte da discussão publica não foi ainda feita. Refiro-me, em particular, à discussão acerca da necessidade dum TGV (pelo menos a linha que liga Porto e Lisboa). E é para esta discussão que os tais estudos custo-beneficio são importantes. Têm a sua importância como linha orientadora, como ajuda à decisão politica e é nesse sentido que devem ser o mais técnico possível (atribuindo valores - "preços" - a tudo o que envolva o projecto), cabendo depois aos actores políticos a ponderação das tais questões subjectivas (e não acho, sinceramente, que as questões relativas à protecção do ambiente estejam completamente no "campo subjectivo": podem e devem ser contabilizadas, preçadas) Tenho então duas (serão só duas?) preocupações: fez-se ou não algum tipo de estudo custo-beneficio para a obra TGV?
Se sim, e mesmo considerando que é positivo, não haverá outras prioridades para o nosso país?; prioridades essas que podem - porque não? - implicar o sector do turismo.
Porque não investir esses dinheiros em projectos, mais pequenos, locais, de turismo rural? Porque não reestruturar (também com fins turísticos) a nossa rede ferroviária (diminuindo ao mesmo tempo a dependência que temos vindo a criar em relação ao transporte rodoviário - com os prejuízos directos e indirectos que isso acarreta).
Por fim, gostaria só de dizer que esta não é a minha forma normal de colocar as questões que tenho, mas não encontrei um mail disponível.
Sou novo nesta coisa dos blogs e ando a gostar muito deste.
Caro António, há imensos estudos custo-benefício relativos ao TGV. Campos e Cunha queixava-se ontem no Público de que, como são muitos, não tem tempo para os estudar.
Convém recordar que no tempo de Ferreira do Amaral, Beleza, Catroga, Cavaco, Daniel Bessa, etc, não havia nenhum para coisa nenhuma.
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