quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O desenvolvimento não é o prémio da virtude

Por que são certas regiões do mundo mais desenvolvidas do que outras? O tema é complexo, de modo que começaremos pela parte mais simples.

Uma simples olhadela ao mapa-mundo permite-nos constatar que não há países desenvolvidos entre os trópicos, a menos que aceitemos classificar a cidade-estado de Singapura como um país. Curioso, não é verdade?

Armado deste conhecimento básico, um marciano que observe a Terra por um telescópico, poderá adivinhar: que a Argentina e o Chile são os países mais avançados da América Latina; que a África do Sul bate em nível de desenvolvimento toda a África Negra; e que, no continente australiano, a parte meridional está muito à frente da setentrional.

A origem desta correlação entre latitude e desenvolvimento radica, genericamente, no facto de os climas temperados serem mais favoráveis à exploração agrícola. Hoje, a agricultura desempenha um papel subordinado nas economias modernas; mas a indústria, primeiro, e os serviços, depois, instalaram-se perto das grandes aglomerações humanas pré-existentes, de modo que o passado continua a pesar imenso na distribuição espacial das economias contemporâneas.

É claro, porém, que a latitude não é o único factor geográfico relevante para explicar o nível de relativo de desenvolvimento económico. A abundância de recursos naturais, as condições climatéricas locais, a facilidade de comunicação e, em geral, a proximidade do mar, também contam – e muito. Segundo alguns investigadores, as condições geográficas explicam entre dois terços e três quartos das diferenças de níveis de desenvolvimento económico entre regiões. O resto fica para os economistas investigarem, o que ainda permite empregar muita gente.

O desenvolvimento tecnológico pode introduzir perturbações neste quadro geral, principalmente ao permitir o acesso a novos recursos naturais inexplorados ou alterar a importância relativa dos recursos existentes. Por exemplo, ao longo da Idade Média, o uso de melhores ferramentas de trabalho permitiu desbravar as florestas europeias e conquistar para a agricultura terras extensas e altamente produtivas, de modo que o centro económico do continente se deslocou progressivamente das margens do Mediterrâneo para a Europa Ocidental e Central. Transformações desta amplitude são, porém, raras e lentas.

Os economistas não gostam de reconhecer o papel decisivo da geografia na ordenação dos níveis de desenvolvimento, preferindo insistir na importância da educação, da organização e da cultura em geral como factores de crescimento. Resultará a prosperidade da instituição de atitudes e comportamentos favoráveis como a pontualidade, a capacidade de organização, a valorização do mérito, a iniciativa individual, o sentido cívico, o respeito pela lei e a curiosidade científica? Sim, mas a experiência sugere que a causalidade também funciona no sentido contrário, de modo que o impulso de fundo não poderá ser encontrado aí.

Decididamente, o desenvolvimento não é o prémio da virtude, mas de ter a sorte de estar no sítio certo, algo muito difícil de aceitar pelos cidadãos dos países avançados que se acham de algum modo superiores – seja em capacidade de trabalho ou em inteligência – aos restantes mortais.

O que ficou dito refere-se apenas à ordenação geral das regiões, não à amplitude das diferenças entre elas. A Revolução Industrial ampliou inicialmente o fosso entre países avançados e atrasados, situação que apenas começou a inverter-se na segunda década do século XX. Essa redução das discrepâncias de desenvolvimento entre países e regiões parece dever-se antes de mais à difusão das tecnologias de produção à escala do planeta, evidentemente acompanhada de uma revolução profunda nas formas de organização social nos países que haviam ficado para trás.

Logo, nada impede que Portugal se aproxime progressivamente de níveis de prosperidade típicos da Alemanha – como, de resto, tem vindo a acontecer desde há meio século – mas, a menos que ocorram catástrofes inimagináveis ou transformações tecnológicas imprevisíveis não é expectável que os ultrapasse nos próximos quinhentos anos. Quem tiver muita pressa, vai mesmo ter que emigrar.