quarta-feira, 27 de maio de 2009

Friedman, responsabilidade, caridade e faz de conta

Milton Friedman afirmou repetidas vezes que a única responsabilidade social das empresas é a maximização do lucro. Recordá-lo nos tempos que correm em nada contribui para melhorar a sua já muito abalada reputação. Ou não será bem assim?

A responsabilidade social ameaça tornar-se numa exigência incontornável a que nenhum gestor civilizado pode furtar-se sob pena de proscrição. As empresas contemporâneas, diz-se, não devem refugiar-se na preocupação com a rentabilização dos seus negócios, fechando os olhos aos problemas que ameaçam a humanidade e o planeta, entre eles a degradação ambiental e a persistência de desigualdades gritantes neste mundo que partilhamos.

Como decidir, porém, no meio de tanta desgraça que afecta a humanidade – incluindo as guerras, a carência de água potável ou a poluição atmosférica – em que domínios deverá uma empresa responsável concentrar as suas atenções? Assim que se coloca esta pergunta, logo se revelam as insuficiências do conceito mais corrente e ingénuo de responsabilidade social.

Na prática, constata-se que as empresas tendem a subsumir sob a designação de responsabilidade social coisas muito diferentes. Para algumas, trata-se de procurar fazer o bem apoiando uma qualquer causa digna de admiração; para outras, apenas de construirem uma reputação assente em iniciativas cosméticas divulgadas através de vistosas acções publicitárias. Em ambos os casos, o resultado é por regra muita parra e pouca uva, ou seja, um escassíssimo impacto social daquilo que se faz e uma opinião pública cada vez mais desconfiada da sinceridade de tais propósitos.

Necessitamos, pois, de um pensamento mais sólido, que não só recuse o aproveitamente interesseiro das misérias do mundo como vá para além da mera filantropia.

Toda e qualquer empresa existe porque de alguma forma contribui para o bem-estar de alguns ou de muitos cidadãos. Logo, é no satisfatório desempenho dessa missão de forma economicamente eficiente que acima de tudo consiste a sua responsabilidade social.

Sucede, porém, que a produção de bens frequentemente acarreta a involuntária produção de alguns “males”, de que a poluição é o exemplo mais evidente. Uma empresa responsável não pode alhear-se dos impactos negativos decorrentes da sua actividade, pelo que lhe caberá, na medida do possível, eliminá-los ou minorá-los. Trata-se de uma forma de responsabilidade social mínima, a que também pode chamar-se reactiva ou defensiva.

Mas deverão elas ficar-se por aí? A actividade específica de uma empresa traduz-se muitas vezes em impactos positivos externos altamente relevantes sobre certos aspectos particulares da economia, da sociedade ou do ambiente, os quais, por sua vez, criam, por meio de um feedback positivo, condições mais favoráveis ao desenvolvimento do seu próprio negócio. Entre essas externalidades benéficas contam-se a consolidação de certas qualificações profissionais, o fomento da investigação científica, o upgrading dos fornecedores, o apoio a indústrias nascentes, etc. Logo, em vez de se limitar a corrigir impactos negativos, talvez faça sentido que uma empresa tente alavancar esses impactos positivos tendo em vista multiplicar os seus efeitos futuros.

Ao contrário da perspectiva tradicional, este conceito mais exigente de responsabilidade social articula-se logicamente com a estratégia competitiva da empresa. Não assenta numa vaga e bem-intencionada filantropia, mas numa visão esclarecida dos interesses da empresa a longo prazo, orientada para a melhoria das condições da procura, do recrutamente de colaboradores, do acesso a equipamentos e materiais ou da cooperação com entidades públicas e privadas.

Em conclusão, Friedman terá errado ao ignorar a responsabilidade das empresas em relação às externalidades negativas decorrentes da sua actividade. Mas há mérito na sua exigência de pensar a responsabilidade social no quadro dos propósitos de longo prazo de instituições que forçosamente têm que pautar os seus actos pelas exigências da racionalidade económica. Sem isso, ela dificilmente passará de caridade mal entendida ou de cínico faz de conta.

(Artigo publicado no Jornal de Negócios a 27 de Maio de 2009)