quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pensando o impensável: e se o crescimento tivesse chegado ao fim?

Fomos educados na convicção de que o crescimento é um facto da vida tão natural como o ar que respiramos. Perguntamo-nos quanto irá a economia crescer, não se ela irá crescer, porque, tirando alguns episódios passageiros, isso nos parece fatal como o destino.

Nem sempre foi assim. Há apenas 200 anos, Malthus contestava a possibilidade da melhoria continuada das condições de vida com base na sua famigerada lei da população segundo a qual a produção de subsistências aumenta em proporção aritmética, ao passo que o número de bocas a alimentar progride geometricamente. A cada breve surto de prosperidade seguir-se-iam fomes e epidemias que assegurariam o retorno à situação de partida.

Malthus tornou-se motivo de chacota, mas convém recordar que o seu modelo corresponde muito razoavelmente às condições que prevaleceram até ao século XVIII. Foi precisamente na sua época que as condições tecnológicas se alteraram o suficiente para que o crescimento contínuo e sustentado se tornasse possível. Por outras palavras, o maltusianismo explicou bem o passado, mas falhou na predição do futuro, dado que a revolução agrícola dos últimos séculos se revelou suficientemente poderosa para sustentar um crescimento da população sem paralelo na história da humanidade.

Resistiu todavia entre os economistas a convicção de que o aumento da riqueza se defrontaria mais tarde ou mais cedo com limites naturais ou sociais. Ricardo acreditava que o estado estacionário chegaria quando o lucro fosse esmagado pela renda da terra, factor de produção escasso por natureza. Marx concordou, mas pensava que a alteração do regime de propriedade resolveria o problema. Mill acreditava que apenas a exportação de capitais para as regiões mais atrasadas do planeta atrasaria por algum tempo o momento fatal.

Tal como Mill, também Keynes antecipava sem ansiedade particular o advento do estado estacionário, antes encarava com optimismo os muitos benefícios que ele traria. “O melhor estado para a natureza humana”, escreveu Mill, “é aquele em que, não havendo pobres, ninguém deseja ser mais rico ou tem razões para temer ser deixado para trás pelos esforços de outros que procuram passar-lhe à frente.”

O tema ausentou-se durante largas décadas das cogitações dos economistas, para reemergir após o primeiro choque petrolífero. Hoje, às tradicionais preocupações com a explosão demográfica e a pressão sobre os recursos naturais (principalmente os não renováveis) acrescentaram-se os riscos decorrentes da rapidíssima extinção de espécies vegetais e animais e do aquecimento do planeta. Na sua maioria, porém, os economistas tendem a acreditar que a tecnologia resolverá o problema, ou seja que os ganhos de eficiência no aproveitamento dos recursos serão suficientemente rápidos para impedir o seu esgotamento e travar a destruição do nosso eco-sistema.

Inversamente, alguns autores julgam detectar sintomas de que entrámos já na era da estagnação económica persistente. Porém, mesmo que assim fosse, passaria muito tempo até podermos estar certos disso. Alguns países e algumas actividades cresceriam por algum tempo mais que outros, sugerindo que talvez esses exemplos pudessem ser imitados. O primeiro sinal seguro seria a multiplicação de conflitos violentos pelo controlo dos recursos, a começar pela água.

Embora seja cedo para se tirar uma conclusão, podemos especular sobre as consequências do estado estacionário para as nossas sociedades se e quando ele vier. Na visão optimista partilhada por Mill e Keynes, a estagnação equivaleria à admissão de que o problema económico se encontraria resolvido, propiciando a reorientação dos esforços colectivos para o desenvolvimento cultural, moral e social da humanidade. Idealmente, teriamos sociedades tão prósperas como hoje, mas incomparavelmente mais estáveis, mais cultas, mais igualitárias e menos agressivas.

Mas seria possível garantir elevados níveis de emprego sem crescimento? Ausente a meta do crescimento a todo o custo, tornar-nos-iamos decerto menos tolerantes para com as desigualdades que alegadamente são o seu preço. A competição perderia parte dos seus atractivos. As políticas distributivas tornar-se-iam mais populares (talvez demasiado), visto que a economia tenderia a ser encarada como um jogo de soma zero. Tenderia a questionar-se a liberdade de concorrência, a começar pela internacional. É de temer que menos crescimento implicasse também menor fermento cultural e menor abertura de espírito.

Acresce que o actual estado de desenvolvimento não é suficiente para que a distribuição equitativa dos recursos proporcione um nível de vida aceitável à população do planeta que permanece na pobreza extrema. Por isso, mesmo na hipótese pouco provável de que os países desenvolvidos se resignassem ao seu grau presente de bem-estar, é óbvio que nem chineses, nem indianos, nem (por maioria de razões) africanos aceitariam deixar de crescer.

Com tantas dúvidas e perplexidades, uma coisa é certa: uma sociedade de crescimento zero seria muito diferente da actual, e a transição para ela, ao frustrar expectativas acumuladas ao longo de gerações, dificilmente se faria de forma pacífica.

(Artigo publicado no Jornal de Negócios de 25.8.10)