quinta-feira, 25 de junho de 2009

A ciência lúgubre contra-ataca

Parece-me pouco convincente o argumento (chamemos-lhe assim) contido no Manifesto dos 28. Eis por quê:

1. A discussão da situação é unilateral e enviezada. Conhecemos a gravidade dos desequilíbrios económicos internos e externos do país, mas não pode negar-se a dinâmica subjacente que tem vindo a criar condições para superá-los. Ficando-nos pelo essencial, alterou-se drasticamente em muito pouco tempo o padrão das nossas exportações, predominando agora sectores e produtos com mais valor acrescentado e conteúdo tecnológico. Os efeitos da transformação tardaram a evidenciar-se, porque a emergência do novo fez-se acompanhar do rápido afundamento do velho, mas é indiscutível que em 2006 e 2007 as exportações cresceram de forma sustentada acima das importações, evolução que só foi interrompida quando dispararam os preços do petróleo e demais matérias-primas. Tudo indica que Portugal está no bom caminho para resolver os tais desequilíbrios.

2. Os pressupostos da análise estão mal fundamentados. O Manifesto sustenta que a presente crise vai agravar a situação financeira do país, mas isso parece pouco provável. O problema central da escassez de poupança será pelo menos fortemente atenuado, como resulta da queda do consumo ao mesmo tempo que os salários reais aumentam. A brutal contracção do nosso comércio externo implica que o défice das transacções correntes baixará muito em proporção do produto. Logo, cairão as necessidades de financiamento externo.

3. Em Portugal, como em todo o Mundo, as empresas e as famílias reagiram à incerteza retraindo o investimento e o consumo e, assim, aumentaram muito as suas poupanças. Logo: a) não haverá nos próximos tempos falta de fundos disponíveis para investir; b) só o investimento público poderá travar o agravamento da crise. É absurdo pretender-se que, nestas circunstâncias, o investimento público poderá prejudicar o privado.

4. Uma enumeração de sintomas não é um diagnóstico. Em resumo, eis o meu: O modelo económico que emergiu em Portugal nos anos 50 do século passado entrou em decadência. Os fundos europeus camuflaram o seu esgotamento, de modo que a transformação só se iniciou quando as nossas empresas sofreram em cheio a concorrência dos países do Leste europeu e da China. Como, entretanto, o país se privara de boa parte dos tradicionais instrumentos de política monetária, não houve outro remédio senão aguardar que a reorientação empresarial para novos produtos e novos mercados se concluísse, procurando entretanto minorar os danos políticos e sociais. A crise orçamental foi um mero epifenómeno deste processo.

5. É absurdo basear-se uma estratégia para o país na enumeração de vulnerabilidades. Uma estratégia constrói-se a partir de oportunidades, forças, capacidades, competências e recursos existentes. O que quer que venhamos a fazer resultará decerto da potenciação daquilo que de positivo já existe ou está a emergir. Todavia, os subscritores do Manifesto do 28 parecem só conhecer o país através da Contabilidade Nacional.

6. É falacioso pretender-se que, se no passado se errou nos investimentos públicos, isso prova que eles não são necessários para melhorar a competitividade. Não podemos julgar os projectos presentes pela eventual mediocridade dos passados.

7. A competitividade de um país periférico, ainda por cima de vocação turística, é muito condicionada pela qualidade das suas ligações rodoviárias, ferroviárias, aéreas e portuárias ao resto do Mundo e, antes de mais à Europa. A necessidade do novo aeroporto de Lisboa não depende da evolução recente da procura, porque ele já se encontra congestionado há anos, provocando a degradação da qualidade do serviço percebida pelos passageiros internacionais. O mesmo se passa na linha do Norte, cuja capacidade não permite aumentar a frequência e a velocidade das múltiplas composições inter-regionais, regionais e suburbanas que nela circulam. Precisamos urgentemente duma nova ligação Lisboa-Porto que, já agora, convirá que seja de alta velocidade. A evolução dos preços da energia torna a decisão mais premente. Tudo factos que não se lêem na Contabilidade Nacional.

8. Pede o Manifesto dos 28 que o programa de investimentos públicos seja submetido ao escrutínio de um painel de técnicos independentes. Ora a avaliação custo-benefício, exigida por pessoas que nunca a ela recorreram quando desempenharam cargos governativos de relevo, implica a atribuição de valores monetários a coisas que não têm um preço, como sejam a vida humana ou a protecção do ambiente. Logo, tem implícitas preferências de todo o género, a que em rigor só se pode chamar prioridades políticas. Por que deveremos nós delegar num grupo de alegadas sumidades uma tal responsabilidade?

O receio de decidir e agir é um traço de personalidade associado à improdutividade. Os autores do Manifesto justificam a inacção com a necessidade de se pensar melhor sobre o assunto, mas, pela amostra, a qualidade da reflexão também não se recomenda.

Artigo publicado no Jornal de Negócios de 25 de Junho de 2009.