sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Rudimentos de gestão subprime

É fácil concordar com Adam Smith quando ele escreve que, numa economia de mercado, não dependemos do altruísmo do padeiro para podermos comer pão todos os dias. Note-se, porém, como isto é diferente de pretender que nenhum mal vem ao mundo se o padeiro apenas cuidar dos seus interesses mesquinhos. É esta, porém, a tese de Milton Friedman.

O comum empresário sabe que, no longo prazo, o seu negócio não prosperará se, no dia a dia, ele espezinhar os legítimos interesses de clientes, empregados, fornecedores e poderes públicos, pela simples razão de que, muito em breve, ninguém quererá nada com ele.

Todavia, as empresas que hoje contam não se encaixam nesse figurino: a sua propriedade encontra-se disseminada por uma multidão de accionistas (dos quais apenas uma minoria detém algum poder de controlo sobre a sociedade), para além de que a gestão quotidiana se encontra entregue a uma equipa de gestores profissionais.

A teoria económica que se ensina nas escolas e divulga nos media sustenta que isso não faz a mínima diferença, mas todos nós (e também os especialistas em economia da empresa) sabemos que faz.

"Greed is good" é uma forma crua mas fiel de sintetizar as doutrinas de Milton Friedman, das quais decorreu o triunfo de uma concepção dos negócios exclusivamente justificada pela perspectiva da maximização do lucro do padeiro, ou, como agora se diz, pela maximização do valor para o accionista. Tal é, de facto, o valor supremo perante o qual todos os outros devem vergar-se: lucro sempre crescente, a todo o custo e já.

Ora, como bem sabe qualquer pessoa que gere ou geriu uma empresa, essa exigência não é realista. Os negócios mais sólidos demoram tempo a criar e consolidar. Todos passam por períodos maus. E a exclusiva obsessão com a rentabilidade pode pôr em causa os próprios alicerces do empreendimento.

Para tornear a dificuldade, o gestor-herói dos nossos tempos especializou-se em acções espectaculares que entusiasmam a imprensa da especialidade e aumentam a sua aura pessoal de implacável campeão da "criação de valor": fusões e aquisições, encerramento de fábricas ou departamentos inteiros e despedimentos em massa, tudo embalado na linguagem eufemística do turn-around, da eficiência, do outsourcing ou da deslocalização.

Como persuadir, porém, os colaboradores da empresa a esforçarem-se por aumentar contínua e exponencialmente o EBIT trimestre a trimestre, se, no fim da linha, nenhuma recompensa os espera tirando a parca satisfação de terem contribuído para a glória pessoal do seu CEO? Como Henry Mintzberg fez notar, isto é a total corrupção da própria essência do conceito de liderança.

Não assentando na criação de valor para a sociedade – em última análise, o único propósito legítimo de qualquer empresa – a única forma de apresentar lucros crescentes consiste em delapidar os activos da empresa, e, de preferência, os intangíveis. É assim que o CEO subprime (escudado no triplo A outorgado por um MBA da moda) desinveste no desenvolvimento dos colaboradores, trava a investigação de novos produtos e liquida gradualmente as marcas do seu portfolio. Quando tudo isso falha, resta a fuga aos impostos ou coisa pior.

Numa palavra, os "lucros" que ele distribui asseguram a destruição da empresa a prazo, o que, de resto, em nada o afecta. De forma que a criação de valor para os accionistas acaba por revelar-se mera criação de valor para o arrivista que eles tiveram a infelicidade de contratar.

A derrocada que ameaça o sistema financeiro mundial foi despoletada por acções que só podem ser classificadas como fraudulentas. Mas é altura de começarmos a interrogar-nos por que houve durante tanto tempo tanta complacência perante as doutrinas anti-sociais que criaram um ambiente propício ao florescimento dos comportamentos que, agora, quase todos unanimemente condenam.

Estamos apenas a começar a puxar o fio à meada.