quarta-feira, 25 de junho de 2008

Quando uma borboleta bate as asas na China, o Ricardo chega atrasado a um cruzamento

“Estes tipos não percebem nada de futebol.” – explicou Marlon, futebolista brasileiro exilado nas Ilhas Faroé, ao jornalista Alex Bellos – “Nem sequer se benzem antes de começar o jogo!”

Os nossos comentadores desportivos são gente demasiado moderna para comungar de tais teses. De modo que, em vez de dizerem: “O Deco não se benzeu, mau sinal!”, dizem antes: “O 4-2-3-1 do seleccionador alemão anulou a equipa portuguesa”. Na verdade, são tão supersticiosos como o tal Marlon.

Acredito que o fascínio do futebol resulta de ninguém perceber ao certo como é que a coisa funciona. Tal como na filosofia, o espanto é o ponto de partida, complementado por um irresistível desejo de encontrar para o resultado uma explicação plausível.

A tese reducionista ingénua sustenta que a equipa vencedora será por força a que incluir os melhores jogadores, esquecendo-se de que, se isso fosse verdade, a Liga dos Campeões de 2004 teria sido ganha pelo Real Madrid, não pelo FC Porto. Conscientes desta verdade trivial, a maioria dos entendidos deposita antes a sua confiança na táctica escolhida (4-3-3 ou 4-4-2?), mas todos sabemos que os jogadores só se dispõem desse modo no terreno quando a bola vai ao centro. Assim que o jogo começa, a táctica varia de minuto para minuto ao sabor das acções e reacções das duas equipas.

Apesar de jogado num rectângulo de reduzida dimensão por apenas 22 jogadores, o futebol é um jogo de enorme complexidade, dadas as infinitas combinações que admite. Uma equipa que estava a jogar maravilhosamente, desune-se subitamente e nunca mais se reencontra. Outra, pela qual já ninguém dava nada, transcende-se e, sobrevivendo a três remates do adversário ao poste, ganha no último minuto com um golo talvez marcado em off-side. Não há dois jogos iguais, nem há dois golos iguais.

É certo que, a posteriori, o resultado de um jogo de futebol parece uma coisa tão lógica e natural que quase somos levados a crer estar escrito que as coisas teriam forçosamente que ter sido como foram. A verdade, porém, é que a mínima incidência do desafio pode afectar de modo decisivo todo o seu decurso. Por isso, o resultado final depende de uma variedade de não sei quês, que não só ninguém consegue prever com antecipação, como, mesmo a posteriori, é muito difícil entender plenamente. Perde-se por quase nada, do mesmo modo que, doutras vezes, se ganha sem saber como nem porquê.

Tal como o futebol, também a economia é, por maioria de razões, um sistema dinâmico complexo. Os comportamentos dos agentes individuais propagam-se de forma imprevisível através de uma longa cadeia de interacções, produzindo resultados inesperados e súbitas mudanças ao nível agregado. A instabilidade é a regra.

A teoria económica tradicional, porém, presume que os mercados se ajustam continuamente em pontos de equilíbrio determinados pela intersecção da oferta com a procura, e postula que qualquer desvio será anormal e temporário. Armada de modelos microeconómicos simplistas, atreve-se a prever, por exemplo, que a fixação de um salário mínimo aumentará o desemprego, embora, excepto se o seu valor for muito elevado em proporção do salário médio, a tese não seja corroborada experimentalmente.

Uma boa parte da teoria económica ensinada nas escolas assenta em bases empíricas limitadas e em generalizações abusivas, o que não coíbe certos opinadores de nela se apoiarem para proclamar os seus preconceitos ideológicos, como de certezas inquestionáveis se tratasse.

Alguns treinadores impõem às suas equipas esquemas tácticos muito rígidos; outros, gritam continuamente do banco instruções pontuais. Os melhores, ao invés, esforçam-se por preparar os seus futebolistas para saberem reagir psicológica e tacticamente às situações de jogo mais variadas e imprevisíveis.

No mundo empresarial passa-se algo semelhante; mas, disso, os economistas ortodoxos não sabem nem querem saber.

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