Quando, nos primeiros anos da sua vida profissional, trabalhava numa sociedade de investimento londrina, Peter Drucker tinha um colega que se ocupava exclusivamente na compra e venda de acções da General Motors. Um dia, Drucker deixou-lhe em cima da secretária um recorte de um artigo sobre o futuro da indústria automóvel. "Por que é que me puseste isto aqui?", perguntou-lhe o outro na manhã seguinte. E foi então que Drucker descobriu que ele ignorava que a General Motors era uma empresa automóvel.
Suponho que esta situação seria hoje impensável, mas constato que, amiúde, muitos traders pouco sabem sobre as empresas cuja compra ou venda recomendam. Esta ignorância revelou-se de forma evidente na actual crise financeira, quando empresas há escasso tempo incensadas como casos de sucesso revelaram, afinal, uma espantosa fragilidade. Quanto vale de facto uma empresa, e o que é preciso saber sobre ela para avaliá-la com rigor?
Há quem acredite que uma empresa vale aquilo que o mercado está disposto a pagar por ela. Logo, se estiver cotada na Bolsa, é muito fácil tirar-se uma conclusão. Sucede, porém, que a capitalização bolsista varia de dia para dia, para não dizer de minuto para minuto. Haverá alguma base sólida que nos permita perscrutar para além dessas constantes flutuações?
Como aos investidores interessa sobretudo o rendimento que poderão extrair do seu capital, é natural que avaliem uma empresa pela perspectiva da sua rentabilidade futura. A estimativa rigorosa do valor de uma empresa depende, pois: a) da correcta determinação da rentabilidade actual; e b) do entendimento dos factores capazes de fazê-la crescer ou diminuir num horizonte longo.
Como pode isso ser feito? Quase toda a gente concorda que, no século XXI, a capacidade de criar valor se encontra estreitamente relacionada com o investimento em activos intangíveis como a propriedade intelectual, as competências dos colaboradores, as estruturas organizacionais ou o relacionamento com os clientes. Segundo algumas estimativas, a contribuição desses activos para o valor das empresas situar-se-á hoje entre os 60 e os 80%.
Torna-se por isso indispensável um conhecimento rigoroso do que elas fazem nessas áreas.
Curiosamente, os relatórios anuais contêm pouquíssima informação a esse respeito. Tem-se argumentado que basear a avaliação de uma empresa no seu investimento em intangíveis equivale a valorizá-la pelos seus custos, quando, afinal, o que interessa não é o que se gasta, mas o proveito que se retira do investimento. Não se pode negar fundamento a essa objecção, de modo que precisamos de metodologias alternativas.
Regressando a Peter Drucker, ele entendia que uma empresa é antes de mais uma coisa que tem clientes. Sem clientes pode haver edifícios, máquinas e trabalhadores, mas não há negócio. Com clientes, porém, sempre haverá alguém disposto a emprestar o dinheiro necessário para se montar uma empresa. A verdade é que dentro de uma empresa só há custos: todas as receitas provêm dos seus clientes.
Logo, faz sentido pensar-se que o valor de uma empresa é o valor da sua base de clientes, e que os indutores desse valor são a sua capacidade para atrair novos clientes e reter os existentes. Ora, uma recente linha de investigação iniciada por académicos como Sunil Gupta e Donald Lehmann aplicou esta intuição à avaliação de empresas e confirmou a sua relevância prática. Esta metodologia tem ainda a vantagem adicional de nos permitir entender como é que os investimentos realizados concorrem ou não para aumentar o valor da base de clientes.
Em vão buscaremos nos relatórios publicados pelas empresas a informação necessária para confirmarmos se a sua actuação é ou não de molde a melhorar a rentabilidade da base de clientes. Que produtos se propõem lançar? A que mercados se dirigem? Como se comparam com os da concorrência? Que níveis de satisfação geram? Quantos clientes foram perdidos e porquê? E, acima de tudo, qual o valor de longo prazo da base de clientes por segmentos e o que está a empresa a fazer para aumentá-lo?
Alguns gestores responderão que essa informação não pode ser publicamente revelada sob pena de pôr em risco a vantagem competitiva das empresas. O certo, porém, é que, quando esta crise acabar, os investidores vão querer saber muito mais do que no passado sobre o que é feito com o seu dinheiro. As sociedades anónimas terão que resignar-se a divulgar informação mais relevante sobre os seus negócios como uma contrapartida indispensável do direito a gerirem os capitais que o público lhes confia.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
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