quarta-feira, 1 de abril de 2009

Pôr a casa em ordem

Que mundo nos espera nos próximos anos? É mais fácil prever o que já aconteceu, de modo que vamos começar por aí.

Com o sistema financeiro global em estado catatónico, não há crédito nem para as empresas nem para as famílias, as quais reagem adiando as despesas e aumentando as poupanças como precaução contra o que pode vir a caminho. Tal reacção, já se sabe, só torna as coisas piores. Não admira, pois, que as estatísticas que de todo o mundo nos vão chegando mostrem uma quebra abrupta do comércio internacional e do emprego a partir de finais de 2008.

Não teria forçosamente que ser assim, mas a falta de vontade de exercer o poder, nuns casos, ou a própria ausência de centros capazes de exercê-lo, noutros, trouxe-nos até aqui. O pior cenário parece em vias de concretizar-se.

Se somarmos a isto a persistência de colossais desequilíbrios financeiros à escala mundial, não será de espantar que a presente recessão venha a durar anos e não meses. A economia portuguesa pode por isso contar com uma mudança duradoura do contexto internacional, caracterizada pelo recuo da globalização, pela incerteza generalizada e pela quebra da confiança nas empresas e nas instituições. Caso se acentue o reflexo proteccionista já notório aqui e acolá, pequenas economias abertas como a nossa não poderão deixar de ser seriamente afectadas.

O mais natural, nestas circunstâncias, é que as pessoas procurem refúgio junto daquilo que lhes está mais próximo e que, também por isso mesmo, se lhes afigura mais seguro. O mesmo sucederá porventura com as empresas. A confirmar-se a tendência, assistiremos durante algum tempo a uma viragem das economias para dentro.

Do mesmo modo que nos últimos anos nos preocupámos com a competitividade externa, deveremos agora focar-nos na competitividade interna, principalmente nos sectores de bens não-transaccionáveis que tão avessos se têm revelado à renovação.

A protecção de que tais actividades gozam em relação à concorrência internacional é em boa medida responsável pelos lamentáveis níveis de qualidade e eficiência que entre nós exibem. Directamente, essa situação prejudica os cidadãos e os consumidores; indirectamente, degrada as condições de competitividade externa das empresas exportadoras, obrigadas a suportar os custos de contexto que lhe estão associados.

Políticas públicas adequadas, envolvendo entre outras fomento da concorrência, regulamentação exigente, investimento estatal e reorganização dos mercados públicos, podem e devem contribuir para uma transformação positiva do panorama actual.

Os sectores de bens não-transaccionáveis abrangem uma variedade de actividades públicas e privadas, dentre as quais se destacam algumas que poderão vir a desempenhar um papel central na economia renovada pós-recessão. Tal é o caso, por exemplo, dos cuidados de saúde, da educação nos seus diversos graus, da renovação urbana, dos transportes públicos, das energias renováveis e, em geral, da protecção do ambiente.

Não se trata, note-se bem, de desistir dos mercados externos ou de menosprezar a sua importância para o nosso desenvolvimento. Bem pelo contrário, sendo a baixa produtividade dos sectores de bens não-transaccionáveis um dos calcanhares de Aquiles da nossa economia, é claro que a sua renovação se constitui ela própria numa poderosa alavanca da nossa competitividade externa.

Isso é bem evidente, por exemplo, no caso do turismo. Uma actividade que consiste em importar temporariamente gente com dinheiro para vir cá gastá-lo só tem a lucrar com a melhoria da qualidade das cidades e do ambiente, com a qualificação dos transportes públicos e com serviços de saúde de nível internacional.

A crise internacional obriga todos os países a virarem-se por algum tempo para dentro em virtude da quebra abrupta do comércio internacional. Aproveitemos a circunstância para pôr a casa em ordem, impondo novos padrões de exigência a actividades que, apesar de cruciais para a revitalização da nossa economia, se têm dado ao luxo de permanecer à margem das transformações que delas temos o direito de esperar. Mas criemos também incentivos capazes de estimulá-las e acelerá-las.

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