João Pinto, esse grande pensador popular, disse de forma simples ("prognósticos só no fim do jogo"), o mesmo que Hegel só conseguiu exprimir com recurso à mitologia clássica ("a coruja de Minerva levanta voo ao anoitecer"), ou seja: só podemos compreender plenamente o sentido de um processo quando ele se encontra concluído ou próximo da sua conclusão.
Um quarto de século será talvez tempo suficiente para podermos fazer um balanço da nossa integração na União Europeia, tanto mais que ela está a chegar ao fim de um ciclo. Ser-se o país com mão-de-obra mais barata num clube de países ricos afigurou-se de início uma proposta imbatível, capaz de animar as exportações e de atrair volumosos capitais, com a rápida melhoria da infra-estrutura de transportes e comunicações a potenciar essa vantagem competitiva.
É hoje evidente que o fogo se extinguiu demasiado cedo, ao cabo de apenas meia dúzia de anos. As expectativas elevadas persistiram durante o que sobrou dos anos 90, impulsionadas pelos fundos comunitários e pelo surto da construção; mas, daí para cá, gripou o motor da aproximação aos países mais avançados da União. O que sucedeu?
Nem o desmantelamento do império soviético nem a abertura da China ao mundo nos favoreceram. Sem falar da perda de importância geo-estratégia que o fim da guerra fria determinou, o nosso estatuto de pequena potência "low-cost" foi instantaneamente liquidado com a invasão do espaço europeu por concorrentes ainda mais baratos e, no caso da Europa do Leste, industrial e culturalmente melhor apetrechados, humanamente mais qualificados e, "last but not least", um subúrbio geográfico do centro de gravidade económico do Continente.
Podemos queixar-nos da impreparação dos nossos empresários, dos nossos trabalhadores e do nosso Estado, mas é difícil imaginar-se como poderiam ter feito melhor, visto que, mal refeitos da primeira fase de integração na União, logo lhes caíram em cima o Mercado Único e a Moeda Única. Os países fundadores tiveram três décadas para se prepararem; nós, escassos anos.
Na época, a reflexão pública foi substituída por slogans vazios: "apanhar o comboio da Europa", "acompanhar o pelotão da frente" e acima de tudo, "comportar-se como bom aluno", todos eles úteis para justificar o seguidismo acrítico em relação à política europeia.
Foi assim que, no momento em que delas mais necessitava para fazer face aos novos concorrentes, o país voluntariamente alienou margens de liberdade de política económica conjuntural e prescindiu de políticas de desenvolvimento activas, na crença ingénua de que, assegurado um enquadramento político-financeiro estável, o livre jogo dos mercados obrigaria empresários e trabalhadores a tomarem as decisões mais favoráveis ao futuro da colectividade.
Pior, o governo da altura decidiu fixar um valor alto para o escudo na fase preparatória do euro no intuito de fazer cair a inflação, esquecendo que isso acarretaria uma degradação permanente das condições de competitividade. Por sua vez, a brusca e continuada redução da taxa de juro impulsionou, como seria de esperar, o crescente endividamento das famílias, das empresas e do Estado. Para os macroeconomistas que habitam a estratosfera, superar tais "handicaps" é problema nosso, não deles.
Em resultado, o balanço de vinte e cinco anos de integração europeia é, por muito que nos custe reconhecer, altamente desapontador.
Admitindo que a Zona Euro não se desagregará, continuaremos a viver no mesmo enquadramento institucional desfavorável em que as taxas de juro e de câmbio serão fixadas em função dos interesses da Alemanha e não nos dos países da periferia. A presente crise internacional teve, entretanto, a vantagem de trazer para a nossa companhia outros países que só agora descobriram que padecem dos mesmos males que nós.
Quase toda a gente concorda que necessitamos de requalificar os nossos trabalhadores e as nossas empresas para reconquistar competitividade, mas não está claro como isso poderá ser feito nem se disporemos dos recursos financeiros para tal necessários. Embora se reconheça que há uma mutação em curso na economia portuguesa, ela não conta com o apoio de políticas suficientemente vigorosas e coerentes que contribuam para fortalecê-la e acelerá-la.
Necessitamos de romper com a passividade que tão maus resultados deu e de concertar uma estratégia de desenvolvimento apropriada. Porém, a actual tendência na União Europeia é para se reduzir ainda mais a margem de manobra dos estados membros, pelo que isso implica a prévia conquista de espaço, em aliança com os países que partilham os nossos problemas, para aplicar políticas económicas consistentes. As coisas poderão tornar-se muito feias se, para não fazer ondas, abdicarmos de lutar por isso.
(Publicado no Jornal de Negócios de 26.1.11)
História pública
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