Tive o choque da minha vida quando, após realizar testes de orientação profissional, me recomendaram que cursasse Economia. Nunca antes me passara pela cabeça estudar o tema porque, muito simplesmente, ignorava o que faziam os economistas. Passados tantos anos, a dúvida sobre o que fazem e para que servem os economistas continua a afligir muita gente.
Os Nóbeis atribuídos nos últimos anos comprovam que os economistas investigam assuntos de grande relevância para o entendimento do funcionamento dos mercados, como sejam a psicologia dos consumidores, a informação assimétrica, as falhas de coordenação, os obstáculos à cooperação dentro das empresas ou as condições que favorecem o alargamento das desigualdades.
Todavia, a síntese dessa investigação que é servida aos estudantes e à opinião pública ignora sistematicamente as limitações da racionalidade humana e as falhas dos sistemas económicos que delas decorrem, em favor de uma visão cor-de-rosa do funcionamento dos mercados desregulados. Assim, embora o estudo do comportamento dos agentes económicos demonstre que os pressupostos da microeconomia estão errados, ela continua a ser ensinada como se nada fosse. A microeconomia – disciplina rainha da síntese neoclássica – adotou, aliás, uma metodologia oposta à da ciência experimental: partindo de um certo número de axiomas, vai por aí fora deduzindo teoremas em catadupa ao jeito de um manual de geometria. Tanto os axiomas como os teoremas são falsos, mas isso não incomoda os guardiões da teoria económica.
Na sua ânsia de imitarem a física, não só os economistas académicos procuram uma teoria geral unificada, como, ao invés dela, julgam tê-la descoberto. E é isso que ensinam a gerações de jovens desprevenidos.
Os alunos aprendem logo no primeiro ano que a instituição de um salário mínimo cria desemprego. Mais tarde, ao nível pós-graduado, será confidenciado aos poucos que lá chegarem que, à luz da evidência disponível, essa proposição é tudo menos certa. Nessa fase do processo de doutrinação, porém, eles já estarão pouco disponíveis para questionar os dogmas da profissão. Quanto aos que não atingiram esse patamar, virão cá para fora de boa-fé papaguear a pseudo-ciência que lhes foi ministrada.
Os economistas empregam-se sobretudo no estado, nos bancos, na universidade e na televisão. As duas últimas ocupações devem ser consideradas normais, pois alguém deve explicar aos mortais que, por muito mal que as coisas corram, vivemos no melhor dos mundos, apenas perturbado pela inoportuna intervenção de políticos condicionados pelo voto popular. O fascínio dos economistas pelos bancos também não causa estranheza: afinal, como lapidarmente proclamou o assaltante Willie Sutton, “é lá que está o dinheiro”.
Já é mais difícil entender-se o que fazem tantos economistas – de facto, a larga maioria deles – a trabalhar no estado, tendo em conta a sua paixão pelo mercado e pelo setor privado e a aversão instintiva que lhes desperta o setor público. Os economistas amam loucamente o mercado livre, a concorrência sem freios, o empreendedorismo audaz e a globalização absoluta – mas só de longe. Dir-se-ia que temem repetir o desapontamento dos Hebreus antigos quando, depois de vaguearem décadas pelo deserto em busca da Terra Prometida, acabaram por descobrir que, afinal, lá não brotavam das pedras o leite e o maná.
Todos estranhariamos que a física e a química se revelasse inútil para os engenheiros ou a biologia para os médicos. Todavia, o presente ensino da economia não melhora em nada – bem pelo contrário – as competências dos gestores. Isso sucede porque o paradigma dominante desincentiva o conhecimento direto da realidade económica. Os neoclássicos apenas cuidam de “factos estilizados”, ou seja, da quantificação daqueles conceitos que mais facilmente se moldam às suas teorias favoritas.
Dada tanta ignorância das realidades das economias contemporâneas, não admira que, confrontados com a atual crise de crescimento, os economistas se limitem a propor: “É preciso incrementar o empreendedorismo, é preciso aumentar a produtividade!” Ou seja, devolvem-nos o problema intacto, mas chamam-lhe solução.
Não é possível entender-se a economia quando só se entende de economia. Porém, fazendo a síntese neoclássica ponto de honra de isolar a economia das restantes ciências sociais, os estudantes são estimulados a ignorar a história económica e política, a história das doutrinas económicas, a filosofia política, a sociologia e a antropologia.
Basicamente, o mundo caminhou desprevenido para a situação em que se encontra porque confiou ingenuamente nas doutrinas económicas dominantes. Por que raio deveria agora acreditar que essas mesmas ideias conseguirão tirá-lo do buraco em que se encontra, quando elas persistem num tão grande desconhecimento das realidades das economias contemporâneas?
(Publicado no Jornal de Negócios em 15.6.11)
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