A revolução agrícola iniciada na Mesopotâmia terá levado uns 2 mil anos a chegar a este cantinho da Ibéria. Na época do Império Romano, a Lusitânia era uma das províncias de mais difícil acesso por terra ou por mar. O território que habitamos viveu sempre na periferia do mundo árabe e longe dos seus centros culturais na Península.
Mais tarde, o incremento da navegação atlântica decorrente do aperfeiçoamento das técnicas de marear contribuíu significativamente para valorizar a nossa posição geo-estratégica. As explorações no Atlântico, intensificadas a partir do século quinze, traduziram um aproveitamento audaz dessas novas circunstâncias.
Sabe-se que, na corte, foram ponderadas três estratégias alternativas de expansão: a) a conquista de Granada; b) a conquista de Marrocos; c) a exploração da costa de África. A primeira foi liminarmente recusada por falta de capacidade financeira. A segunda, ensaiada com a tomada de Ceuta, revelou-se também demasiado ambiciosa. Só a terceira passou na análise custo-benefício.
Portugal era então um reino europeu relativamente atrasado, e assim permaneceu no auge do seu império marítimo. O excedente económico gerado por solos pobres não era suficiente para alimentar grandes cidades e uma classe numerosa de artesãos especializados. Por falta de matérias-primas, conhecimentos técnicos e gente qualificada, as melhores naus eram no período áureo do Império construídas na Índia e o país importava canhões em grandes quantidades. Do estrangeiro vinha também grande parte dos marinheiros e artilheiros.
Segundo as estimativas de Angus Maddison, Portugal tinha em 1500 o mais baixo produto per capita da Europa Ocidental, rondando 80% da média da região. Ao contrário do que usualmente se afirma, não houve nos séculos que se seguiram aos Descobrimentos um fenómeno de decadência económica generalizada, antes períodos alternados de maior ou menor prosperidade. Maddison acredita que em 1820 a nossa distância económica em relação à Europa ter-se-ia degradado muito pouco em relação à de trezentos e vinte anos antes.
O fosso económico entre Portugal e a Europa Ocidental só começou a acentuar-se após a Revolução Industrial, quando um pequeno número de nações europeias se destacou rapidamente do resto do mundo. A primeira metade do século XIX foi um período negro, marcado por uma sucessão de conflitos armados, revoluções e guerras civis que acentuaram dramaticamente o atraso do país.
O caminho-de-ferro, o telégrafo e a imprensa tornaram as nossas classes cultas angustiadamente conscientes do atraso nacional na parte final do século, altura em que o produto per capita português já não chegaria a metade do da Europa Ocidental (situação que viria a agravar-se ainda mais até à I Guerra Mundial). “Uma geração inteira acha intolerável que Lisboa não seja Londres e Paris” (Eduardo Lourenço) e desse choque emerge o diagnóstico proposto por Antero de Quental no seu ensaio Causas da Decadência dos Povos Peninsulares – uma narrativa tão poderosa que ainda hoje marca profundamente o modo como os portugueses dos mais diversos quadrantes ideológicos interpretam o seu país.
Simplificando, Antero propôs no seu livro o regresso ao passado esplendoroso mediante o corte com a cultura jesuítica que enfraquecera a grandeza essencial da pátria. Essa mitologia foi adoptada pelos republicanos e incorporada no hino nacional. O Estado Novo deitou fora a retórica anti-católica, mas reteve e reforçou o saudosismo nacional-imperialista implícito no tema da recuperação da grandeza perdida dos “egrégios avôs”.
Os portugueses permanecem dominados pela ambição de “levantar hoje, de novo, o esplendor de Portugal”. Ora, Portugal nunca foi o país desenvolvido que se imagina, logo o “esplendor” nunca existiu e o propósito carece de sentido. Houve, sem dúvida, uma época em que, mercê de várias circunstâncias, desempenhámos um papel pioneiro no curso da história mundial; e é verdade que o frágil e mutável império marítimo que então construímos nos conferiu, até à perda do Brasil, um peso considerável na política europeia. Mas também a Rússia perseguiu Napoleão até Paris e, muitos anos mais tarde, abriu o caminho à exploração do espaço, sem por isso deixar de ser o país atrasado que era e é.
A obsessão com a mítica grandeza passada de Portugal é responsável, acredito eu, pela frustração colectiva que nos avassala. A evidente aproximação à Europa Ocidental desde 1945 não pode contentar-nos, porque jamais aceitaremos menos que o primeiro lugar no concerto das nações, a que, por colossal ignorância histórica, julgamos ter direito.
A fascinante crónica de Azurara mostra-nos que os portugueses de quatrocentos partiram à aventura pela costa africana abaixo guiados não por mirabolantes sonhos de grandeza, mas pelo impulso de ganharem a vida o melhor que sabiam e podiam, e, talvez, fazer fortuna; alguns, transcendendo-se, lograram feitos dignos de serem recordados.
Mais ou menos, afinal, como fazem os portugueses de hoje.
(Publicado no Jornal de Negócios de 21.10.09)
Um parágrafo, dois gráficos, algumas palavras.
Há 15 horas
3 comentários:
Alguém é esclarecido.
Há uns quantos detalhes a corrigir:
1) Granada não foi posta de parte pelo custo, mas sim por estar na esfera de Castela. No fundo, o mesmo problema com que se debateu Afonso III ao conquistar o Algarve; e, possivelmente, o mesmo que terá sido suscitado a D. Duarte a respeito de Ceuta, ali na pontinha sul do estreito e facilmente posta na órbita de Castela.
2) A conquista marroquina nunca deixou de ser uma opção, por impulso do Infante D. Henrique - cuja incompetência levou à derrota de Tânger - e do seu ímpeto cruzadístico de que partilharam Afonso V e mesmo Manuel I. Aliás, o Venturoso chegou a pensar em fazer o mesmo que D. Sebastião fez, i.e., agarrar num exército e avançar Marrocos a dentro. Só com o desastre de Alcácer-Quibir é que morre de vez o ideal de cruzada em Marrocos.
3) Convém lembrar que, quando na Borgonha existia uma Duquesa de Avis de nome Isabel, não só foram feitas embarcações portuguesas na Flandres, como a frota borgonhesa consituiu-se sob o olhar atento de artesão portugueses. Houve uma espécie de troca de saberes em que os portugueses faziam navios para Filipe da Borgonha e os nossos testavam as suas embarcações no Mar do Norte, que isto de descer África com barcos habituados às águas do Algarve...
4) A expansão marítma não se fez meramente por intuítos comerciais. Houve certamente uma parte da sociedade portuguesa que via nas Descobertas uma forma de aceder a matérias-primas e metais preciosos em falta e na Casa Real houve quem apoiasse essa visão das coisas; o Infante D. Pedro, o malfadado de Alfarrobeira, foi um deles. Mas também houve quem visse na coisa uma missão cruzadística: converter novos povos, chegar ao reino do Prestes João, contornar a mouraria e atacá-la pela rectaguarda. O Infante D. Henrique era mais desse género de ideias.
E outras coisas mais se podia dizer, mas o comentário já vai longo.
Se o pessoal não fosse pobre não se teria metido em viagens tão perigosas. Mas parece-me que subestimas os "negócios da China" e a riqueza trazida com o comércio das especiarias. Claro que o que vem fácil vai fácil mas os anos a seguir a 1500 devem ter sido um maná...
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