Pois não é estranho? Como é possível, num país onde há tantas opiniões como cabeças, toda a gente concordar com a importância da educação para o desenvolvimento e com o seu papel insubstituível para assegurar a competitividade da economia? É caso para desconfiarmos da bondade da tese, visto a superstição ter usualmente mais adeptos que a verdade.
Não resta qualquer dúvida de que a educação aumenta as hipóteses de sucesso profissional dos indivíduos: quanto maior o nível de escolaridade, melhor o vencimento e menor o risco de cair no desemprego. Portugal é, de resto, um dos países onde esse efeito é mais acentuado, como ainda há dias foi revelado por um estudo da OCDE. Ao nível microeconómico são pois evidentes os benefícios da educação, justificando-se que o Estado invista na sua generalização para fomentar a igualdade de oportunidades.
Surpreendentemente, porém, não é claro que, ao nível global da economia, mais educação cause mais crescimento. É sabido que existe uma elevada correlação entre o produto per capita de um país e a qualificação escolar da sua população. Correlação, todavia, não equivale a causalidade. É a educação que determina a riqueza de uma sociedade, ou, ao invés, é essa riqueza que estimula a busca de mais educação? O menos que se pode dizer é que, ao cabo de décadas de investigação aturada, a evidência econométrica do impacto da educação sobre o crescimento é algo trémula, e tanto menos convincente quanto mais avançamos para níveis superiores de escolaridade.
Será então a educação um luxo, um bem como qualquer outro sem particular relevância para o desenvolvimento das nações? A ser assim, o consumo de educação não seria mais nem menos decisivo para o desenvolvimento do que a fruição da poesia, do cinema, das viagens ou do futebol. Mas, nesse caso, por que haverá o Estado de canalizar ano após ano recursos colossais para financiar um sistema educativo universal e gratuito?
A isto, pode opor-se duas objecções. A primeira é que, como afirma Amartya Sen, a educação e outros bens similares (tais como a liberdade individual e social, a saúde ou a segurança pessoal) são o próprio propósito do desenvolvimento antes de serem um instrumento de desenvolvimento. A educação vale por si própria, sem necessitar de justificações adicionais para comprovar a sua bondade. Não é desejável porque causa crescimento, mas porque tem um impacto directo sobre o bem-estar, na medida em que habilita os seus destinatários a fruirem plenamente da sua condição de cidadãos de sociedade civilizadas.
A segunda objecção é que a ausência de evidência empírica associando categoricamente a educação ao desenvolvimento pode dever-se a limitações das ferramentas de análise e não à inexistência de um nexo causal. Os economistas acreditam que o verdadeiramente importante é o “capital humano” acumulado por uma determinada sociedade, não o investimento em equipamentos e pessoal docente, o qual pode ser pouco eficiente ou mal orientado. Mas não é fácil medir com precisão esse capital humano. Dificuldades ainda maiores resultam de o impacto da educação sobre o crescimento ser lento (uma geração demora décadas a formar) e ínvio (múltiplas variáveis inter-relacionadas intervêm para tornar um país mais próspero).
Reconheçamos que os níveis de escolaridade podem não ser muito importantes para o desempenho de certas tarefas que apenas exigem uma qualificação especializada, tais como cozer à máquina peças de vestuário. Mas a sua ausência pode obstaculizar a aquisição de novas capacidades quando as antigas se tornam obsoletas. Isto é verdade ao nível pessoal como ao colectivo, visto que educação gera versatilidade nos indivíduos, nas empresas e nas economias; e que versatilidade favorece por sua vez predisposição para inovar ao mesmo tempo que esconjura o receio da mudança e do futuro. Por outras palavras, a educação favorece a adopção de novas tecnologias – algo que sabemos pelo menos desde Adam Smith.
A primeira conclusão de tudo isto é obviamente que a análise econométrica não tem as respostas todas (nem talvez venha jamais a tê-las), pelo que outros métodos de investigação podem revelar-se mais profícuos. A segunda, que continuamos a saber pouco sobre a mecânica do desenvolvimento, sobre o modo como múltiplas variáveis interagem para gerá-lo e, em particular, sobre o papel desempenhado por causas extra-económicas como a educação. A terceira, que devemos recusar os argumentos falaciosos que só aceitam como bom aquilo que comprovadamente contribua para o crescimento do produto.
A liberdade, a educação, a igualdade de oportunidades, a justiça ou a saúde são desejáveis independentemente da contribuição que possam dar para potenciar o crescimento. O facto de eventualmente acabarem por dá-la deve ser considerado como um bónus suplementar, não como fundamento e condição sine qua non da sua valoração positiva, pois é o crescimento que deve estar ao serviço delas e não o contrário.
(Publicado no Jornal de Negócios de 22.9.10)
Um parágrafo, dois gráficos, algumas palavras.
Há 22 horas
2 comentários:
Exactamente. Já estamos a assistir há demasiado tempo à confusão entre fins e meios. A educação, a cultura, a liberdade, o bem-estar não têm que servir para nada; e se servirem para alguma coisa, tanto melhor.
Já a riqueza, a economia, a produção têm que servir para alguma coisa. É o que nos ensina a lenda do Rei Midas.
A educação serve para criar uma população menos susceptível de ser enganada por demagogos corruptos.
Dái resulta um aumento consideravel do PIB.
Não sei é como é que um econometrista
pode medir estes efeitos...
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