Os portugueses tendem a ser solícitos e carinhosos com familiares e amigos, porém suspeitosos ou mesmo hostis perante estranhos.
Este facto de observação quotidiana é confirmado por estudos comparativos periodicamente conduzidos pela OCDE: não só a confiança interpessoal é muito baixa em Portugal, como tem vindo a deteriorar-se mais rapidamente do que nos outros países nas décadas recentes. Falo, note-se bem, da confiança das pessoas umas nas outras, não nas instituições políticas.
Além de contribuir negativamente para a felicidade de cada qual, a desconfiança torna as pessoas mais propensas a infringirem as normas de civilidade com o argumento de que os outros também o fazem: “por que hei-de ser sério se andam todos a roubar?” A desconfiança estimula a prevaricação, que por sua vez justifica mais desconfiança, alimentando um círculo vicioso que nos amargura a existência e aprisiona no mundo mesquinho do ressentimento e da vingança.
Uma sociedade assim tende a organizar-se em bandos que entre si disputam negócios e cargos políticos. A vantagem comparativa deles resulta de conseguirem impor dentro de si normas capazes de assegurarem a confiança mútua de que a sociedade em geral carece. Não admira, pois, que, ainda segundo a OCDE, a desconfiança interpessoal ande frequentemente associada a altos níveis de corrupção.
Vemos assim todos os dias crescer o cancro da suspeição, numa guerra de todos contra todos que envolve até as mais altas esferas do Estado. Em situações de emergência colectiva como a actual revela-se em todo o seu esplendor a carência de propósitos partilhados nacionais, submergidos como o são pela multiplicidade de tresloucadas reivindicações particulares, cada um das quais se vale de todas as armas ao seu alcance para prevalecer sobre as restantes. Mais depressa os portugueses se agarram uns aos outros para que ninguém deixe de afogar-se do que se unem para fazer face aos ataques externos de que são alvo.
A falta de confiança nos outros prejudica, além disso, a eficiência económica, na medida em que, agravando a percepção do risco e da incerteza, aumenta os custos associados às transacções comerciais e desincentiva a cooperação entre indivíduos e empresas.
O Dilema do Prisioneiro sugere que, na ausência de elevados níveis de confiança, as decisões baseadas no interesse próprio podem produzir resultados desastrosos para o conjunto da comunidade. Nessas circunstâncias, quando dois indivíduos têm que decidir independentemente entre a cooperação e a agressão, uma lógica implacável impele-os para a segunda alternativa e a trampolinice triunfa.
Mas os estudiosos da Teoria dos Jogos descobriram que, dadas certas condições, há uma solução cooperativa para o Dilema do Prisioneiro quando ele é jogado repetidamente. Segundo Robert Axelrod, a melhor estratégia é retaliar prontamente os comportamentos anti-sociais, esquecendo porém as ofensas recebidas no passado. Por outras palavras, consiste em cooperar sem ser parvo. Porém, para que seja viável penalizar as violações da confiança, é preciso que as pessoas se encontrem frequentemente, que os seus comportamentos possam ser facilmente observados e que os castigos sejam suficientemente dissuassores. Eis porque tendemos a comportar-nos melhor no círculo dos nossos familiares e amigos e pior quando nos encontramos com estranhos em situações ocasionais.
Que podemos então fazer para dissuadir as coligações de trampolineiros e fomentar a cooperação benéfica? Primeiro, não dar tréguas às associações de malfeitores que o Estado português presentemente tolera (quando não protege ou subsidia). Segundo, fomentar a auto-organização dos cidadãos a todos os níveis.
Quanto mais vasto o raio dos nossos relacionamentos regulares, mais longe chegará a confiança. Sabemos que nas sociedades tradicionais os estranhos tendem a ser olhados com grande desconfiança. Ao invés, a sociedade moderna, ao ampliar os horizontes dos indivíduos, simultaneamente propicia e exige o alargamento da confiança para além do estreito círculo da família e dos vizinhos, abrangendo outras regiões, etnias, nacionalidades e culturas.
Mas a confiança só pode subsistir se for preservado o sentido de comunidade, assente já não em valores paroquiais de base geográfica ou genética, mas em afinidades de estilos de vida e propósitos partilhados. O individualismo, as desigualdades e o desenraizamento social não favorecem a confiança entre as pessoas, por isso ela depende também do modo como as organizações privadas e públicas, formais e informais, espontâneas ou planeadas, estimulam ou dissuadem o relacionamento entre os cidadãos, o que nos ajuda a entender o papel corrosivo que a precariedade das relações humanas tem sobre uma convivência saudável e produtiva.
Paroquialismo e precariedade prejudicam a confiança. Abertura de espírito e associação livre e duradoura tendem a estimulá-la.
(Publicado no Jornal de Negócios em 17 de Novembro de 2010)
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