As grandes modificações geo-estratégicas do último quarto de século, a começar pela queda da Cortina de Ferro, acentuaram a nossa condição periférica, deixando o sistema produtivo nacional à margem da reorganização das cadeias de produção e distribuição que delas resultou.
O alargamento do Canal do Panamá, cuja conclusão se prevê para 2014, é, neste domínio, a primeira boa notícia para nós desde há muito tempo. Há três razões para isso: a) uma parte do tráfego marítimo proveniente do Extremo Oriente será desviado da rota de Suez para a do Panamá; b) a Costa Oeste dos EUA ficará muito mais próxima da Europa; c) a ampliação do canal favorecerá a utilização de navios de maior porte. Os nossos portos (e, em particular, o de Sines) sairão favorecidos, face aos mediterrânicos (designadamente, Barcelona e Valência), pela perda de importância de Suez; e, face aos atlânticos, pelas suas condições para receber os grandes navios New Panamax.
Que poderemos fazer para tirar o máximo partido das novas circunstâncias, designadamente aproveitando o potencial de Sines, o nosso grande porto natural de águas profundas? A reanimação do Porto de Sines iniciou-se em 2004, quando a parceria com a PSA (Port of Singapore Authority) para a gestão do Terminal de Contentores lançou as bases para o incremento do tráfego com origem no Extremo Oriente. Desde então, os investimentos realizados permitiram um crescimento do volume de mercadorias movimentadas a rondar os 50% ao ano. Mesmo assim, o Estado português atrasou-se imperdoavelmente no cumprimento do compromisso assumido com a PSA de melhorar a ligação ferroviária a Espanha.
No plano estritamente portuário, estamos, pois, em condições de beneficiar do alargamento do Canal do Panamá, porque há um rumo traçado e porque têm vindo a ser dados os passos certos. Todavia, o grande desafio que se nos coloca é o de aproveitarmos estas mudanças para redinamizar a nossa indústria, integrando-a nas grandes cadeias de aprovisionamento mundiais de que tem estado arredada - ou seja, para assegurar que, em vez de nos mantermos perdidos nos confins da Europa, conseguimos afirmar-nos como plataforma de articulação entre ela e algumas das regiões mais dinâmicas do Mundo, designadamente o Extremo Oriente, a Costa Oeste dos EUA e a América Latina.
Isso implica descobrirmos como as novas condições poderão ajudar ao reposicionamento estratégico da economia portuguesa, reorientando-a para sectores mais qualificados, de maior valor acrescentado e procura mais dinâmica. Uma política industrial pró-activa deverá cuidar de identificar atividades que, correspondendo a esse propósito, poderão beneficiar do rearranjo das cadeias internacionais de aprovisionamento que inevitavelmente resultará do alargamento do Canal do Panamá. Por outras palavras, empenhar-se-á em construir novos factores de competitividade a partir das novas condições e em atrair o investimento necessário para explorá-los.
Segundo Lino Fernandes, Presidente da Agência da Inovação, "a nossa nova posição de charneira entre a Ásia e a UE pode ser aproveitada por modelos de negócio que incorporem peças e componentes importados integrados em produtos e sistemas que beneficiam em serem produzidos perto do mercado de consumo", vantagens que podem resultar "da incidência do volume no custo do transporte", "dos custos de imobilização inerentes à variedade da procura" ou "das exigências de customização dos consumidores finais". Existiria, assim, uma vantagem para localização em Portugal de "indústrias de montagem, em particular desde a sua fase inicial de prototipagem, em processos de desenvolvimento e de teste de mercado". Que se saiba, porém, o Estado português não está a trabalhar para aprofundar o entendimento destas oportunidades e concretizar a aproximação a eventuais parceiros asiáticos.
Bem pelo contrário, a única ideia que até hoje veio a público foi a criação de uma zona franca em Sines para atrair investidores, o que equivale ao estabelecimento de um enclave onde os aventureiros do costume acorrerão para beneficiar de mão de obra barata e isenções fiscais com um mínimo de ganho para o país. Se precisamos de atrair investimento estrangeiro em quantidade e qualidade, seria bom que soubessemos o que nos interessa e que procurássemos activamente os parceiros adequados para a concretização dos nossos propósitos, em vez de ficarmos à espera de quem possa aparecer por aí.
Paulo Futre divertiu o país com o seu plano de trazer semanalmente voos charter carregados de chineses para assistirem em Alvalade às proezas do "melhor futebolista" do seu país. A ideia pode ser disparatada, mas a intuição essencial está correta: qualquer projeto económico deve hoje tentar explorar as oportunidades decorrentes do crescente peso da China e de outros países emergentes.
Futre é um sujeito com poucas letras. Porém, como tem vivido num país onde os media não se limitam a comentar a doença da burra da Ti Jaquina e os casos amorosos do Presidente da Câmara, absorveu noções úteis sobre o mundo em que vivemos. Se lhe perguntassem a opinião, decerto criticaria o facto de o AICEP ter mais delegações em Espanha que na China (já para não falar da Índia) e admirar-se-ia ao saber que o Plano Estratégico Nacional do Turismo persiste em manter como mercados prioritários a Espanha e o Reino Unido, em detrimento do Império do Meio.
Um país cujas classes dirigentes revelam menos visão do mundo que um ex-futebolista tem, claramente, um problema.
(Publicado no Jornal de Negócios em 20.4.11)
História pública
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