Qual a probabilidade de o país sair airosamente do aperto financeiro em que se encontra? Com as economias do Atlântico Norte estagnadas ou talvez mesmo em recessão, a quebra da procura externa somar-se-á à da interna, contraindo a base tributária e colocando pressão adicional sobre as contas públicas.
Na hipótese mais favorável, a União Europeia, perante a catástrofe iminente, inverteria radicalmente a sua política reforçando o FEEF, flexibilizando o acesso aos seus fundos e eventualmente dando luz verde à emissão de euro-obrigações. Mas a contrapartida não deixaria de ser o controlo direto da União sobre as finanças públicas dos países membros, o que liquidaria de vez qualquer resquício de política económica autónoma em Portugal. O impropriamente chamado federalismo fiscal revelar-se-ia afinal uma tirania pan-europeia.
E não vale a pena imaginar-se que é neste momento viável o federalismo genuíno, com um Governo Europeu supranacional responsável perante o Parlamento Europeu, porque o Tribunal Constitucional Alemão já afastou liminarmente essa possibilidade. Nestas circunstâncias, por muito que penemos, não sairemos tão cedo do gueto financeiro no qual a União Europeia nos internou.
Imaginemos, porém, que uma parte substancial da nossa dívida - digamos, metade - se evaporava no ar por via de um perdão. Ficariam os nossos problemas resolvidos? Provavelmente não, visto que, permanecendo inalterado o enquadramento institucional da zona euro, não se alteraria a orientação geral que no passado tanto penalizou o nosso desempenho económico.
A Zona Euro manteve até 2007 taxas de juro demasiado baixas para Portugal, que potenciaram o crescimento descontrolado do nosso endividamento privado e público. Fê-lo, porque isso era do interesse da Alemanha, a braços com um complexo processo de reunificação e uma taxa de desemprego elevada.
Desde 2007, em contrapartida, a Zona Euro impõe-nos taxas de juro demasiado elevadas, que agravam a recessão e o desemprego em Portugal. Fá-lo, porque esse é agora o interesse da Alemanha.
Mentes mais optimistas dirão que isso é passado: por um lado, a crise encarregou-se de forçar a diferenciação das taxas de juro de país para país, pelo que não voltará a haver um incentivo tão poderoso ao endividamento; por outro, a recomposição da estrutura das exportações portuguesas e o seu bom comportamento na última meia dúzia de anos sugerem que os nossos maiores problemas de competitividade poderão estar em vias de ser superados.
Pode ser. Mas poderemos correr o risco de esperar passivamente mais alguns anos para verificarmos se a hipótese se confirma? Impressiona a mansidão abúlica com que o país se deixa conduzir para o abate.
As duas décadas decorridas desde o lançamento do Sistema Monetário Europeu sugerem claramente que, nestes moldes, a pertença à Zona Euro não tem para nós qualquer vantagem e tem todos os inconvenientes. O país deixou de ter política monetária e cambial própria, perdeu controlo sobre a sua política fiscal e ficou muito condicionado nas restantes vertentes das suas políticas económicas. Numa palavra, prescindiu da sua soberania entregando poder de decisão a quem não acautela minimamente os nossos interesses.
Tudo isto é hoje óbvio, tal como é óbvio que, descontando a eventualidade de uma improvável reforma da governação económica, financeira e monetária da UE, o futuro imitará o passado. Claramente, está na hora de pensarmos seriamente em alternativas, tanto mais que os custos acumulados de redução do crescimento ao longo de uma dúzia de anos são neste momento já bem elevados.
Todos sabemos que não só a saída do euro terá enormes custos como nem sequer está prevista nos tratados. Mas poderá chegar o momento em que sejamos lançados fora ou em que os elevados custos de ficarmos se revelem indubitavelmente superiores aos elevados custos de sairmos. Que fazer nessa eventualidade?
No mínimo, faz sentido que, na antecipação das difíceis negociações que vêm aí, tratemos desde já de esclarecer a que condições deveria obedecer o rearranjo institucional da zona euro para que ele nos convenha, verificar se será possível construir dentro da UE as alianças necessárias para que essa visão se torne realidade e, em alternativa, entender em que circunstâncias poderá a saída do euro vir a tornar-se a única solução aceitável. A primeira condição para qualquer negociação ter êxito é que comecemos por definir que resultado queremos obter e com que apoios poderemos contar para atingi-lo.
Sem antevermos o que poderá vir a acontecer-nos e sem nos prepararmos para o pior, o mais provável é que, em vez de uma luz, nos espere um outro túnel ao fim deste túnel.
(Publicado no Jornal de Negócios em 12.10.11)
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