Decorridos 54 meses desde que, em Agosto de 2007, rebentou a bolha do sub-prime, conheceremos ao menos as causas da situação comatosa em que nos encontramos?
Ainda mal se tornara evidente a extensão da catástrofe e já se apontava a ganância dos especuladores financeiros como a origem do mal, perceção reforçada pela emergência de mini-escândalos como o esquema Madoff nos EUA ou as fraudes do BPN entre nós. Mas é óbvio que a avidez de alguns só pode ter consequências deste quilate quando ocorrem falhas em larga escala dos sistemas financeiros e da sua regulação.
Assim, as atenções da opinião informada viraram-se para a compreensão do que está mal nos arranjos institucionais que têm imperado nessa área. Não foi difícil concluir-se que a promiscuidade entre a banca comercial e a banca de investimento, adicionada à incontrolada "inovação financeira", expõe as poupanças do cidadão mais cauteloso a riscos incalculáveis, ao mesmo tempo que incentiva aventureiros a apostarem rijo com o dinheiro dos outros.
Tudo isso está muito certo, mas fica ainda por explicar como é que venerandas instituições se deixaram envolver neste jogo de alto risco. Terá sido pura cupidez ou deveremos antes considerar que um conjunto de incentivos perversos as atraíram para o abismo?
A economia mundial no seu conjunto foi inundada desde meados dos anos 90 por um colossal fluxo de poupanças em busca de aplicação, principalmente originárias da China, do Japão e da Alemanha. Daí a descida das taxas de juro para níveis historicamente baixíssimos. Uma tal circunstância deveria ter contribuído para viabilizar um boom de investimento produtivo, mas isso não aconteceu. Múltiplos indícios sugerem que, excetuando as aplicações puramente financeiras, o investimento privado cresceu a taxas cada vez menores na última dúzia de anos num bom número de países desenvolvidos.
Ora, quando cada vez mais dinheiro livre corre atrás de cada vez menos oportunidades de investimento atrativas, temos, como Ben Bernanke notou, um excesso global de poupança. Rareando os investimentos rentáveis na esfera produtiva, resta como única via a sua aplicação especulativa em projetos cada vez mais arriscados para assegurar os indicadores que as bolsas hora a hora inspeccionam à lupa para avaliar o desempenho das empresas e, por decorrência, emitir os certificados de competência que depois se traduzem nos apetecidos bónus dos gestores de topo.
Uma influente linha de pensamento, exemplificada por Raghuram Rajan em Fault Lines, explica a redução das oportunidades de investimento com a estagnação dos salários em economias tão importantes como a americana, a alemã, a japonesa, a britânica e a italiana. A insuficiência do rendimento das famílias foi num primeiro momento compensada pelo recurso imoderado ao crédito barato, mantendo assim o consumo a níveis insustentavelmente elevados, mas esse recurso esgotou-se por fim. O que aí temos, pois, é uma típica crise de subconsumo provocada por uma compressão salarial prolongada. No actual quadro de endividamento generalizado, alguns recomendam para sair dela uma reanimação da procura impulsionada por políticas públicas voluntaristas.
Uma explicação alternativa, reconhecendo embora a redução de oportunidades de investimento lucrativo, entende que ela é fruto da travagem do progresso tecnológico que é o motor último do crescimento, adiantando uma impressionante soma de dados para comprovar a tese. Ora, contra isto, as políticas keynesianas nada podem. Tal é o ponto de vista exposto por Tyler Cowen no seu recente livro The Great Stagnation, compatível com a teoria de que os ciclos têm a sua origem em choques externos à economia.
Qual será a perspectiva mais correta?
A estagnação da inovação tecnológica será a causa profunda da exiguidade de oportunidades rentáveis, explicando de passagem a pressão sobre os salários reais. Mas isso não torna obrigatoriamente ineficazes as políticas públicas orientadas para o estímulo da procura: dispomos no presente de instrumentos de produção e de capacidades humanas brutalmente subutilizados aos quais pode e deve ser dada aplicação útil. O regresso aos níveis de produção anteriores ao estalar da crise afigura-se, por isso, um objectivo eminentemente razoável.
Já a questão de saber como repor em marcha o motor da inovação é algo inteiramente diferente, até por ser duvidosa a nossa capacidade de encomendar uma revolução tecnológica. Seja como for, a nossa primeira tarefa será estabilizar a condição do paciente; logo promoveremos a sua convalescença e veremos como fazê-lo regressar à plenitude do seu vigor.
Publicado no Jornal de Negócios em 14.2.12
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