Entre 1405 e 1433, o almirante chinês Zeng He comandou sete ambiciosas viagens marítimas de exploração no Oceano Índico. Na sexta delas, em 1421, desceu a costa da África Oriental visitando Mogadixo, Mombaça, Melinde, Zanzibar e Quiloa (perto da fronteira sul da actual Tanzânia), onde voltou, mais tarde, em 1433. Depois disso, foram bruscamente interrompidas as expedições chinesas a essa parte do mundo.
Parece provável que estivessem informados de que, passando o cabo mais meridional da África, poderiam depois navegar para norte a caminho da Europa. Porém, nunca o fizeram. Ao invés, os portugueses, que nessa mesma época haviam acabado de chegar ao Bojador, prosseguiram a exploração da costa africana rumo ao sul, dobraram em 1487 o Cabo da Boa Esperança e chegaram em 1498 à Índia. Como se explica esta disparidade de ambição entre chineses e portugueses?
David Landes opina, no seu The Wealth and Power of Nations: Why Some Are So Rich and Some Are So Poor, que aos chineses faltavam visão, foco e, acima de tudo, curiosidade. Não estavam interessados em aprender e ver coisas novas, apenas em subjugar e cobrar tributos. Este ponto de vista é genericamente subscrito por Niall Ferguson em Civilization: The West and the Rest (recentemente traduzido para português), um panegírico da suposta superioridade cultural do ocidente sobre o oriente.
Ao invés, Fernandez-Armesto faz notar (1492: The Year Our World Began) que a passagem do Índico para o Atlântico era perigosa e pouco atraente. Porque haveriam os marinheiros chineses de arriscar-se a tornear a África e a percorrer um longo caminho marítimo para chegarem a uma região distante do mundo onde – sabiam-no bem – pouco havia que lhes interessasse? Pelo contrário, uma nação de fracos recursos como Portugal, situada nos confins da Euroásia e do seu próprio continente, tinha um forte incentivo para curto-circuitar as rotas tradicionais do comércio entre o ocidente e o oriente e, enfrentando grandes perigos, chegar à Índia pela rota do cabo. Mera análise custo-benefício, pois.
Landes detecta no episódio uma diferença de atitude cultural, à qual atribui a responsabilidade decisiva na viragem histórica que conduziu à hegemonia europeia duradoura sobre o planeta. Fernandez-Armesto sugere que essa disparidade é ela própria fruto de uma multiplicidade de circunstâncias geográficas, políticas, económicas, sociais e tecnológicas. Por outras palavras, havia muitas razões para os europeus sentirem curiosidade pelo Oriente, e quase nenhumas para os chineses se interessarem pela Europa. Qual das duas interpretações é então mais profunda: a de Landes ou a de Armesto?
Uma corrente hoje dominante entre os economistas sustenta, na esteira de Landes e Ferguson, que as diferenças de desenvolvimento entre países se explicam principalmente pelas suas culturas e pelas instituições que as corporizam – o que equivale, afinal, a reconhecer que, na sua essência, o desenvolvimento económico não é um fenómeno económico. Ninguém pode seriamente negar a importância desses factores, mas, como Armesto mostra, também eles exigem uma explicação. Há, de facto, suficiente evidência histórica para nos levar a pensar que as instituições são tanto causa como resultado desse mesmo desenvolvimento: por exemplo, a investigação científica é tanto motor do crescimento quanto resultado dele.
Não se pode, além disso, pretender que existe um conjunto bem definido de instituições e traços culturais ideais que todos deveremos obrigatoriamente copiar, dado que as mesmíssimas instituições se revelam excelentes em certos contextos e péssimas noutros. Se a população da Holanda trocasse connosco de lugar, ambos os povos teriam por força que rever em profundidade e com a máxima urgência as suas respectivas atitudes. É, por isso, absurda a ideia em voga de que nos desenvolveremos copiando as instituições da Irlanda, da Finlândia, da Coreia do Sul ou de qualquer outro país.
As instituições alheias não se macaqueiam: adoptam-se sob condição e depois adaptam-se por tentativa e erro. A ilusão de que pode ser vantajoso arrasar periodicamente o que existe para recomeçar do zero é, precisamente, uma característica distintiva de sociedades frágeis, que carecem de uma forte cultura partilhada e de instituições resistentes às contrariedades – por outras palavras, é um traço característico de sociedades subdesenvolvidas.
Publicado no Jornal de Negócios em 13 de Março de 2012
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