Estranhou-se na Irlanda a rapidez com que o governo português despachou as suas participações na EDP e na REN. É que, embora a mesma exigência tenha sido colocada pela troika ao governo irlandês, ele limitou-se a privatizar uma fracção minoritária da empresa eléctrica nacional. Além disso, prolongando o seu braço de ferro com a União Europeia, negou-se a separar a produção da distribuição.
Os irlandeses temem a privatização do sector eléctrico, mas, principalmente, o seu controlo por estrangeiros. Terão razão?
À primeira vista, a aquisição de uma empresa por outra é uma operação inocente de troca de capital corpóreo por incorpóreo em que ambas as partes julgam ficar a ganhar. Que pode interessar a nacionalidade dos compradores, se o que os move é sempre o desígnio de tornar a operação mais eficiente e rentável? O capital não tem pátria, e é assim mesmo que deve ser.
Mas poderemos ignorar, por exemplo, que a Sorefame, uma das nossas principais metalomecânicas pesadas, foi adquirida por concorrentes multinacionais apenas para ser encerrada anos depois? O resultado final foi a aniquilação de um centro nacional de competências laboriosamente edificado ao longo de décadas, com a consequência de que o país tem hoje que importar as carruagens ferroviárias de que necessita. Será muito ingénuo ver nisto um mero efeito da lei das vantagens comparativas.
A crença de que a nacionalidade da propriedade não conta ignora a importância do poder e, em geral, das considerações extra-económicas na condução dos negócios. A nacionalidade conta, e conta muito.
Ainda assim, não é aceitável a protecção a todo o custo dos centros de decisão nacionais, a menos que se pretenda premiar a incompetência. As indignações nacionalistas são, em geral, absurdas, dado que, as mais das vezes, nenhum interesse respeitável é ferido quando uma empresa de um país compra uma empresa de outro.
Que critérios deveremos então ter em conta para avaliar o previsível impacto da mudança de propriedade de uma empresa nacional?
Primeiro, se uma empresa não exporta, gera escasso valor acrescentado, emprega poucos trabalhadores qualificados e não possui tecnologia própria, a sua venda a estrangeiros é assunto que só interessará aos próprios. Inversamente, se ela desempenha uma missão relevante para o país avaliada pelas externalidades positivas que gera, todo o cuidado será pouco.
Segundo, são perigosos compradores sem real interesse pelo negócio, unicamente empenhados na obtenção de ganhos financeiros de curto prazo, entre os quais se incluem fundos de investimento sem rosto e private equities. O mais natural é que, antes de revenderem, liquidem actividades relevantes, mas dispendiosas, cujo valor só se revela plenamente no longo prazo.
Terceiro, importa perscrutar a intenção estratégica do comprador. Quanto maior for a relação de complementaridade entre as duas empresas, mais proveitosa a associação para aquela que é adquirida. Pelo contrário, quanto maior o grau de sobreposição, maior o risco de a compra ser motivada pelo desejo de matar um concorrente.
Quarto e último, interessa saber se os centros de competência da empresa se encontram protegidos contra a eventualidade da sua transferência para o exterior. Ninguém na Suécia parece preocupado com a eventualidade de a Volvo ser esvaziada pela chinesa Geely que a comprou, dado que os engenheiros suecos detêm elevadas qualificações dificilmente replicáveis. Todavia, não podemos esquecer que a Catalunha perdeu rapidamente a Danone e a Hispano-Suiza quando elas foram absorvidas por grupos empresariais franceses.
A aplicação destes critérios de avaliação conduz a resultados diametralmente opostos quando consideramos os riscos que decorrem para a economia nacional da venda a estrangeiros de empresas tão diversas como a Cimpor e TAP. No primeiro caso, muito pouco ou nada de relevante parece estar em causa; no segundo, ao invés, uma opção errada poderá afectar muito negativamente o nosso futuro por muitos e amargos anos.
Publicado no Jornal de Negócios em 10.4.12
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