Mais gente acredita que há muito desperdício na gestão dos recursos
públicos do que no milagre de Fátima, e é sem dúvida fundada essa
crença. Vai daí, quase toda a gente supõe também que a sua eliminação
não só é fácil como prontamente garantiria o equilíbrio das contas
públicas. Ora, aí, já a opinião pública está a entrar no reino da
fantasia.
Se, para o cidadão comum, sem outra referência que o
seu magro salário, uma despesa de um milhão de euros é uma quantia
mirabolante, que diremos então de um milhar de milhão? Ora, como
qualquer rubrica dos gastos públicos se mede na escala dos muitos
milhões, percebe-se a dificuldade que esse mesmo cidadão tem em entender
a sua relevância relativa à escala do país como um todo.
Quase
todas as pessoas que conheço, incluindo muitas dotadas de razoável
instrução económica, estão persuadidas de que não só as Parcerias
Público-Privadas (PPP) são responsáveis por uma grossa fatia da despesa
nacional, como a sua renegociação permitiria de facto evitar sacrifícios
adicionais à população. Daí a sua surpresa quando são informadas de que
os encargos líquidos anuais do Estado com as PPP se ficam pelos 0,3% do
PIB, o que corresponde a uma pequena parcela do investimento público
médio anual nas últimas décadas.
Resulta daqui evidente a ilusão
de que a muito badalada renegociação das PPP poderá contribuir para uma
redução considerável do défice. E note-se ainda que, se, em alternativa à
renegociação, se optar pelo lançamento de uma sobretaxa adicional,
dificilmente se poderá esperar um ganho superior a 0,04% do PIB.
Seria
de supor que estas constatações bastassem para pôr cobro à cruzada
demagógica pela eliminação das "gorduras do estado". Em vez disso, o
governo optou há dias por uma nova caçada aos gambozinos, agora centrada
nos encargos com as transferências para as fundações.
Segundo o
levantamento efectuado, quase metade dos encargos do estado teriam sido
encaminhados para a "fundação do Magalhães", mas sucede que, provindo
eles de contribuições das operadoras de telecomunicações que não podiam
ter outro destino, não custaram afinal um cêntimo aos contribuintes.
Como o grosso das transferências para fundações correspondem na verdade
ao financiamento público do ensino superior, conclui-se que, além de os
cortes possíveis se reduzirem a algumas dezenas de milhões de euros
anuais (estamos outra vez na escala dos 0,01% do PIB), o essencial deles
incidirá no financiamento de actividades culturais. Compreende-se: se
os Mirós da colecção do BPN vão ser leiloados, que fica cá a fazer a Paula Rego?
Uma
outra variante de fantasia orçamental - esta mais popular à esquerda -
imagina que o défice se curaria milagrosamente com um imposto
extraordinário sobre as grandes fortunas. É facto que algumas pessoas
detêm colossais rendimentos e patrimónios e que o nosso injusto sistema
fiscal não os taxa como deveria. O problema é que, sendo essas pessoas
muito poucas, não se pode esperar daí a salvação da pátria.
Imagine-se,
por absurdo, que em vez de taxar as grandes fortunas, se optava antes
por expropriar o património dos vinte e cinco portugueses mais ricos,
recentemente avaliado em 14,4 mil milhões. Parece (e é) muito dinheiro,
mas a sua comparação com o PIB nominal português, que presentemente
ronda os 180 mil milhões de euros, mostra que o impacto sobre as
finanças públicas de uma medida tão extrema e tão difícil de aplicar se
esgotaria num ano.
Em resumo, não se atinge o equilíbrio
orçamental com passes de mágica. É justo que quem mais tem mais
contribua para o aumento das receitas do estado - o que decerto não tem
acontecido -, mas não é por aí que se consegue a redução de 6 mil
milhões de euros pretendida para 2013. Por outro lado, é importante que o
estado use melhor os recursos colocados à sua disposição, mas ganhos de
eficiência consistentes só se conseguem com trabalho sistemático,
persistente e demorado, não com cortes precipitados ou com motivações
obscuras. Se isso fosse fácil de fazer, decerto já estaria feito.
Já
é suficientemente mau que uma gestão inepta das finanças públicas
esteja a conduzir ao empobrecimento geral da população, da humilhação da
classe média e da destruição de capacidade produtiva. Pior ainda, há
sinais preocupantes de que iniciativas precipitadas impulsionadas por
fanatismo ideológico e demagogia cega camufladas de combate às "gorduras
do estado" estão a criar uma Administração Pública mais rígida, mais incompetente e mais ineficiente do que aquela que já tínhamos.
A
cada dia que passa se torna mais evidente que sem crescimento económico
é impossível controlar duradouramente o défice e estancar o
endividamento. Tudo o resto é fantasia. Quando essa verdade for
finalmente aceite, teremos perdido anos e destruído recursos e boa
vontade numa escala sem precedentes.
Publicado em 14.8.12 no Jornal de Negócios
Descarada aldrabice
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