Muito justamente, algumas pessoas
perguntaram como foi possível que Ferguson não tivesse tido o cuidado de evitar
erros tão grosseiros. Acaso não teme prejudicar a sua reputação nos meios
académicos e jornalísticos?
Num comentário publicado no
blogue de cultura da Esquire, Stephen
Marche propõe uma inquietante explicação para o aparente enigma. Segundo ele,
Niall Ferguson é em primeiro lugar um entertainer,
e só secundariamente um académico e um jornalista. Cada uma das suas
apresentações públicas custa a quem o contrata entre 50 a 75 mil dólares e a
presente controvérsia aumenta, em vez de diminuir, a procura dos seus serviços
pelos sectores republicanos mais extremistas.
Ferguson não tem, portanto, que
ser respeitado pelos seus pares universitários; tampouco tem que ser admirado
por quem se esforça por manter padrões elevados nos media. Basta-lhe ser
idolatrado por aquela parte da opinião pública que prefere o pugilato
ideológico ao debate de ideias. Acima de tudo, ele sabe que episódios como este
contribuem para reforçar ainda mais o seu estatuto de celebridade e que isso,
só por si, vale muito dinheiro.
Ora, não só o problema
identificado por Marche não é exclusivo dos EUA, como ainda é lá e num punhado
de outros países mais civilizados que subsistem instituições jornalísticas
suficientemente fortes para conseguirem resistir à maré alta da degradação dos
padrões do debate público. O comentário publicado entre nós oferece múltiplos
exemplos de académicos e figuras ilustres de diversos meios profissionais que não
hesitam em sacrificar a seriedade da argumentação ao protagonismo mediático.
O poder da notoriedade – isto é, da
mera circunstância de se ser conhecido – não pode deixar de espantar. As
pessoas tendem, ao que parece, a confiar mais em algo ou alguém pelo simples
facto de a conhecerem ou julgarem conhecer. Notoriedade gera familiaridade e
familiaridade gera, por sua vez, confiança. Descontando aquelas situações
extremas em que a celebridade se encontra patentemente associada a traços
repulsivos do sujeito em causa, a fama compensa na medida em que cria uma
predisposição genérica favorável e facilita o acesso a gente influente e
poderosa. Como afirmou Woody Allen, “80 por cento do sucesso consiste em simplesmente
aparecer”. É inquestionável o valor económico da notoriedade.
O impacto da presença repetida
sobre a simpatia radica provavelmente em factores biológicos. Segundo o
psicólogo Robert Zajonc, a exposição repetida “permite a um organismo
distinguir os objectos e os habitats seguros dos que o não são, fornecendo a
base primitiva para os elos sociais. Constituem, por isso, a base da
organização e da coesão social.” O problema é que o instinto pode enganar-nos,
colocando-nos sob a influência de quem deveria antes suscitar-nos repulsa.
Seja como for, parece óbvio que
os incentivos económicos descritos conduzem à desvalorização da importância da
reputação ao mesmo tempo que favorecem a disseminação da trafulhice nos media. Haverá
algum antídoto capaz de contrariar o perverso resultado desta análise
custo-benefício?
Primeiro, as más notícias. Dan
Ariely, o conhecido economista comportamental, acredita que a mera menção de
incentivos monetários pode degradar a predisposição das pessoas para cooperarem
umas com as outras com base em normas de boa conduta geralmente aceites. Por
conseguinte, ambientes que estimulam ou meramente desculpabilizam a ambição
pessoal levam os indivíduos a adoptarem uma atitude mais relaxada em relação à
defesa da sua reputação de seriedade.
Por outro lado, o mesmo Ariely e
mais dois investigadores conceberam uma experiência em que, imediatamente antes
de os participantes terem a oportunidade de fazer batota sem serem detectados,
foram confrontados com uma declaração recordando-lhes a importância do
comportamento ético. O resultado foi a total ausência de comportamentos
desonestos.
O que isto sugere é que a
definição e divulgação de padrões de conduta apropriados e a intenção declarada
de fazê-los aplicar podem ser suficientes para reduzir drasticamente os
comportamentos desviantes. Os juramentos, as regras deontológicas e os códigos
de ética e conduta empresariais talvez não sejam afinal tão ineficazes como por
vezes se crê, na condição de que os seus princípios sejam largamente divulgados
e frequentemente invocados pelos responsáveis das organizações.
Publicado no Jornal de Negócios em 28.8.12
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