Na última sexta-feira ficámos a
saber que a contribuição dos trabalhadores para a segurança social aumentará no
próximo ano 7 pontos percentuais ao mesmo tempo que a das empresas baixará 5,75.
Note-se que é pequeno o impacto desta decisão sobre o défice orçamental: estamos
a falar de uns 500 milhões de euros quando as metas acordadas exigem no mínimo dos
mínimos uma redução de 3 mil milhões.
Significa isso que, depois de ter
virado contra si o grosso da opinião pública que ainda confiava nele, o governo
ainda não enfrentou sequer o essencial do problema. O que virá a seguir?
Decerto, nova revisão dos escalões do IRS, despedimentos na parte mais
vulnerável da função pública, reduções drásticas da quantidade e qualidade dos
serviços de saúde, educação e transportes, agravamento de taxas diversas
(incluindo as do SNS) e o mais que adiante se verá.
Se as medidas anunciadas não
reduzem o défice de 2012 e só marginalmente o fazem em 2013, como se explica
então o desvario? Dir-se-ia que o défice e o endividamento são hoje o que menos
importa. A única coisa que agora conta é a aplicação a todo o custo da receita
mágica das reformas estruturais. Mesmo aqui, porém, o foco foi consideravelmente
restringido, visto que das reformas da justiça ou do poder autárquico, por
exemplo, já ninguém parece querer saber.
As reformas de que o país consensualmente necessita são, pois, no discurso e na prática, substituídas por contra-reformas inspiradas pelo revanchismo social, impondo-se uma modalidade de capitalismo extractivo que, por lei, transfere rendimentos dos trabalhadores para os empresários. A acção governativa orienta-se crescentemente apenas e só pelo intuito de precarizar as relações laborais e contrair os custos salariais, na crença (ou sob o pretexto) de que daí resultará um economia mais sólida e competitiva.
Este extremismo ideológico – que, obviamente, ninguém sufragou – é o aliado natural da pulsão neurótico-depressiva de que a troika se alimenta. Afigura-se portanto plausível que o governo tenha conseguido a indulgência em relação ao fracasso do défice para 2012 a troco da garantia de redução da TSU para as empresas tão acarinhada por uma das mais retrógradas escolas do pensamento económico.
Sabe-se como a teoria da desvalorização interna é cara ao FMI e aos doutrinários do Banco de Portugal. Sabe-se também que, até hoje, ela só foi experimentada na Letónia, e que os seus resultados foram, numa avaliação caridosa, inconclusivos. Faz-lhes falta, pois, testá-la num país de razoável dimensão e complexidade económica como o nosso.
As reformas de que o país consensualmente necessita são, pois, no discurso e na prática, substituídas por contra-reformas inspiradas pelo revanchismo social, impondo-se uma modalidade de capitalismo extractivo que, por lei, transfere rendimentos dos trabalhadores para os empresários. A acção governativa orienta-se crescentemente apenas e só pelo intuito de precarizar as relações laborais e contrair os custos salariais, na crença (ou sob o pretexto) de que daí resultará um economia mais sólida e competitiva.
Este extremismo ideológico – que, obviamente, ninguém sufragou – é o aliado natural da pulsão neurótico-depressiva de que a troika se alimenta. Afigura-se portanto plausível que o governo tenha conseguido a indulgência em relação ao fracasso do défice para 2012 a troco da garantia de redução da TSU para as empresas tão acarinhada por uma das mais retrógradas escolas do pensamento económico.
Sabe-se como a teoria da desvalorização interna é cara ao FMI e aos doutrinários do Banco de Portugal. Sabe-se também que, até hoje, ela só foi experimentada na Letónia, e que os seus resultados foram, numa avaliação caridosa, inconclusivos. Faz-lhes falta, pois, testá-la num país de razoável dimensão e complexidade económica como o nosso.
Com a colaboração do governo
português, o FMI, que gosta de fazer experiências com animais vivos, encontrou neste
povo o ratinho de laboratório ideal.
Qual a probabilidade de que daqui
resultem consequência positivas para o crescimento e o emprego? A crer nos
estudos a seu tempo encomendados pelo governo português, quase nenhuma. Além
disso, os inquéritos regularmente lançados pelo INE mostram que as razões
invocadas pelos empresários para não contratarem mais trabalhadores são a
ausência de mercado e a indisponibilidade de crédito, não o nível salarial.
A vingar a orientação anunciada,
dentro de um ano o país estará mais pobre e a sua economia terá sido
desarticulada. Pior ainda, a amargura e a desconfiança ter-se-ão apoderado dos
corações, porque não é impunemente que se passa um rolo compressor sobre as
legítimas expectativas das pessoas, suspendendo garantias, coarctando direitos
e abolindo vínculos. Uma sociedade civilizada não é um acampamento que a todo o
momento pode ser desmontado sem aviso prévio. A legitimidade dos sistemas
políticos, económicos e sociais é sustentada pela crença na boa-fé de quem
detém o poder aos mais variados níveis.
Não sobrevive por muito tempo a
convivência pacífica numa sociedade cujas classes dirigentes alienam a
confiança que nelas é depositada comportando-se de forma discricionária,
atrabiliária e irresponsável.
Voltemos então á Constituição.
Leis e contratos não precisam de ser longos quando se presume a boa-fé das
partes. Havendo identificação com a letra da norma dispensa-se excessiva cautela
com a sua letra. Doentia atenção ao pormenor e obsessiva preocupação em cobrir
todas as possíveis ocorrências supervenientes são, pois, sintomas de
desconfiança mútua.
Sou, por tudo isso, forçado a
reconhecer a sabedoria dos constituintes de 1976 ao elaborarem um texto que,
embora rebarbativo, dificulta a sua desvirtuação pelos derrotados de Abril que
não se conformam. Tendo em conta a fragilidade das instituições, a podridão do
sistema partidário e a escassez de figuras públicas respeitadas, é bem possível
que só o Tribunal Constitucional consiga agora evitar a catástrofe.
Publicado no Jornal de Negócios em 11.9.12
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