Citadinos que jamais põem os pés no campo projectam na agricultura
imagens bucólicas de alegres passarinhos, prados verdejantes e abençoada
comunhão com a mãe natureza. Já a indústria, compensa a intrínseca
falta de poesia com prosaicos valores de disciplina, método, diligência e
trabalho esforçado.
Em comparação, pouco de bom parecem evocar
as actividades de serviços. Serviço conota servidão, servilismo,
sujeição – tudo traços negativos numa era que tanto preza a autonomia
individual. Não admira, por isso, que a marcha triunfal da economia dos
serviços desencadeie reacções de desconforto perante o rumo que o
ocidente está a tomar.
O alarme cresce ainda mais quando as
pessoas tomam consciência de que os serviços não só ocupam hoje para
cima de 70% dos trabalhadores activos nas economias mais desenvolvidas
(cerca de 80% nos EUA, no Reino Unido,
na França, na Alemanha e na Holanda) como quase todo o novo emprego
líquido é criado por eles. Os serviços são considerados pela opinião
dominante culpados de infindáveis malfeitorias: não criam valor, inibem o
crescimento da produtividade, pagam baixos salários, contribuem pouco
para as exportações. Ora, essas percepções assentam em parte ou na
totalidade em equívocos.
Durante muito tempo, os serviços foram
encarados como uma categoria residual da economia, ou seja, como tudo
aquilo que não era agricultura ou indústria. Até ao princípio do século
XX, abrangiam principalmente criados domésticos e trabalhadores do
comércio, mas a realidade é hoje muito distinta.
Para começar,
uma boa parte das pessoas que oficialmente trabalham na indústria não
fabrica coisas: ocupa-se, por exemplo, na investigação e desenvolvimento
de novos produtos, na sua comercialização e distribuição, na gestão dos
recursos humanos e na gestão financeira. Isso significa que a
tradicional repartição da economia em sectores primário, secundário e
terciário subestima largamente a contribuição dos serviços para o
emprego e o valor acrescentado das economias contemporâneas.
Veja-se o caso da Inditex,
o maior grupo mundial de moda, baseado na Galiza e detentor de marcas
como Zara, Zara Home, Massimo Dutti, Pull & Bear e Uterque. A força
do grupo reside numa combinação de design imitativo das últimas
tendências da moda e gestão eficiente e ágil de cadeias logísticas de
produção e distribuição integradas à escala global. A sua competência
singular consiste na selecção, gestão e controlo de uma rede de
fornecedores espalhados pelo mundo em estreita articulação com a
dinâmica de pontos de venda localizados nos mercados mais promissores. A
sua força reside nas actividades de serviço, não nas de produção, que
são triviais.
Note-se, por outro lado, a estrutura de custos do iPhone.
Os componentes que integra importam em 200 dólares e o custo total de
montagem na China queda-se pelos 20 dólares por unidade. Todavia, o
preço de venda ao público chega aos 700 dólares. A diferença entre
custos de produção e preço final remunera no essencial o trabalho de
concepção, software, design e marketing do produto. Como se vê, todas
essas actividades de serviço são tributárias e complementares da
indústria, não alternativas a ela.
Uma boa parte do crescimento
do terciário consiste simplesmente na externalização de actividades que
passam a ser adquiridas fora em vez de executadas dentro de casa. A
crescente divisão do trabalho estimula desse modo o surgimento de
empresas especializadas na prestação de serviços às empresas
industriais. É assim que têm crescido os serviços financeiros, a
advocacia de negócios, os serviços informáticos, a consultoria, a
contabilidade, a auditoria, o design, a arquitectura e a publicidade,
entre outros.
O angustiado apelo à reindustrialização que hoje
escutamos decorre de um deficiente entendimento do que são e como
funcionam as economias contemporâneas. O sector terciário não é uma
alternativa ao secundário nem implica a sua extinção, antes ajuda a
torná-lo mais sólido. Os serviços fortalecem a indústria qualificando a
força de trabalho, cuidando da sua saúde, facilitando as comunicações e
movimentando mercadorias, mas também ajudando-a directamente a tornar-se
mais produtiva e a solidificar factores de diferenciação competitiva
assentes, por exemplo, na inovação, no design e no marketing.
Precisamos
urgentemente de melhor indústria, não necessariamente de mais
indústria. Por isso, a nossa preocupação deveria antes centrar-se em
fomentar o surgimento e consolidação tanto de indústrias como de
serviços de alto valor acrescentado e alta tecnologia e em promover
sinergias entre ambos. Tudo o resto não passa de crença supersticiosa na
superioridade intrínseca das coisas e da sua manipulação sobre as
ideias e o poder do espírito.
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