2. As despesas de funcionamento
das administrações públicas (salários mais consumos intermediários) representam
39% dos gastos totais. Porém, como abrangem a produção de serviços como a
saúde, a educação ou a segurança, a verdade é que o custo da máquina
burocrática do estado central se fica pelos 12 mil milhões (15,5% da despesa
pública ou 7,2% do PIB). As gorduras do estado são afinal diminutas.
3. Os juros da dívida pública
deverão absorver no próximo ano 5% do PIB. É imenso, mas em 1991 chegaram aos
8,5%.
4. O estado português foi
recentemente obrigado a corrigir as suas contas incluindo nelas défices ocultos
em anos anteriores, o que teve como consequência um aumento brusco da
estimativa da dívida pública acumulada. O curioso é que essa dívida escondida
foi praticamente toda contraída até 1989. Logo, as revisões recentes emendam
falhas cometidas há muitíssimos anos.
5. A despesa pública em proporção
do PIB atingiu um máximo em 1993 (46%), depois desceu ligeiramente e só voltou
a esse nível, superando-o inclusive, na sequência da crise financeira mundial
declarada em 2008. O país sabe conter eficazmente despesa pública, tanto mais
que já o fez no passado.
6. O défice das contas públicas
atingiu o seu máximo absoluto, segundo o Banco de Portugal, em 1981 – um legado
de Cavaco Silva ao segundo governo da Aliança Democrática. Nunca mais se viu
nada assim.
7. Em 1986, o sector público
absorvia 71,7% do crédito total à economia. Em pouco mais de uma década a
situação inverteu-se totalmente, de modo que, em 1999, as empresas e as famílias
já absorviam 98% do crédito disponível. A economia não está hoje abafada pelo
estado.
8. À data da entrada na CEE, o
financiamento externo da economia representava apenas 14% do total. Em
resultado da privatização da banca, a captação de recursos financeiros no
exterior decuplicou entre 1989 e 1999 e a dívida pública passou a ser
financiada esmagadoramente pelo estrangeiro. As instituições financeiras contribuíram
para uma entrada líquida de fundos externos equivalente a 6,8% do PIB nesses
anos. As responsabilidades dos bancos face ao estrangeiro passaram de 49% do
PIB em 1999 para um máximo de 96% em 2007.
9. A baixa das taxas de juro
decorrente da integração no euro propiciou a rápida expansão do crédito. Mas o
investimento baixou em sete dos onze anos que terminaram em 2010 (variação
acumulada de -20%), ao passo que o consumo privado só desceu num ano (variação
acumulada de +19%). Quando havia dinheiro a rodos, o sector privado não
investiu. Convém investigar porquê.
10. Também o investimento público
foi baixando progressivamente até aos 3% do PIB em 2008. Em 2009 subiu um
pouco, ficando ainda assim abaixo dos máximos do início da década. Como é
possível continuar-se a invocar o excesso de investimento público para explicar
as presentes dificuldades financeiras do estado?
11. As despesas do estado com
pessoal caíram consistentemente em proporção do PIB a partir de 2002. O tão
polémico aumento dos salários dos funcionários públicos em 2009 teve um impacto
insignificante nas contas públicas. Em contrapartida, as prestações sociais
passaram de 14% para 22% do PIB entre 2003 e 2010, sendo responsáveis por 95%
do aumento da despesa corrente primária do estado entre 1999 e 2010.
12. Desmentindo a ideia de que as
metas acordadas com a União Europeia nunca se cumpriram, os objectivos dos PECs
entre 2006 e 2008 foram sempre confortavelmente atingidos, sem recurso a
receitas extraordinárias, no que respeita a receitas, despesas, défice e dívida
pública.
13. As medidas selectivas de
combate à recessão em 2009 ascenderam a apenas 1,3% do PIB (quase metade pagos
com fundos comunitários). O grande aumento do défice nesse ano deveu-se no
essencial à quebra em 14% das receitas fiscais e ao crescimento das prestações
em decorrência do agravamento da situação social. Acresce que esse aumento não
se desviou significativamente do observado no resto da UE.
14. Cada um dos pontos anteriores
contraria directa e taxativamente uma ou mais alegações quotidianamente escutadas
nas televisões, nas rádios, nos jornais e, por decorrência, nos cafés e nos
transportes públicos. Uma opinião pública inquinada por falsidades ou meias
verdades não está em condições de formar um juízo válido sobre as alternativas
políticas que lhe são propostas. Nestas condições, não admira que cresça descontroladamente
o populismo e se degrade a qualidade da democracia.
(Os factos e números citado neste
artigo foram extraídos do recentemente editado Sem Crescimento Não Há Consolidação Orçamental: Finanças Públicas,
Crise e Programa de Ajustamento, de Emanuel Santos, leitura indispensável
para quem deseje documentar-se sobre o tema das contas públicas.)
Publicado no Jornal de Negócios em 23.10.12
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