2. “Não insultar os credores” foi
a absurda orientação escolhida para lidar com a nossa crise financeira, suscitando
a legítima suspeita de que o tão elogiado bom aluno não passa, afinal, de um
manteigueiro carreirista empenhado em vender-nos o ponto de vista alemão.
3. Sabemos que muitas das ideias
mais penalizadoras incluídas no Memorando de Entendimento foram directamente
sugeridas à troika por Eduardo
Catroga (“a negociação foi sobretudo conduzida pelo maior partido da oposição”,
afirmou ele em 3 de Maio de 2011). Considerando-se o ulterior percurso
profissional do negociador, torna-se evidente o método subjacente a esta
loucura. Quem está, afinal de que lado?
4. Salta aos olhos do mais
distraído a existência de um conflito de interesses quando Portugal é
representado nas negociações com a troika
por um Ministro das Finanças que é também alto funcionário da Comissão Europeia.
Resulta daí um confronto tão renhido como um desafio entre o Benfica A e o
Benfica B. Uma situação em que Governo e troika
se comportam como duas faces do mesmo euro revela por si só todo um projecto de
subserviência que a ninguém deveria passar despercebido. Repito: quem está de
que lado?
5. Nem Zapatero nem Rajoy se
apressaram a pedir o resgate da Espanha. Ao contrário de Portugal, onde a
embaixada estrangeira foi acolhida com foguetório e alcatifa vermelha, as
oposições, os media e os homens de
negócios espanhóis não exigiram em coro a aplicação de duras penas ao seu
próprio povo. Com isso, o país criou margem de manobra negocial neste difícil
transe.
6. É evidente o tratamento de
excepção que a Espanha tem recebido nesta crise. Vinte e quatro horas depois de
conhecido o pacote de socorro à banca espanhola, já a Irlanda exigia um
semelhante, posição em que foi depois imitada pela Grécia. Já o governo
português permaneceu e permanece calado. Não admira que o mesmo Draghi que
apenas condiciona a compra de dívida espanhola ao pedido formal de ajuda tenha
tido a ousadia de declarar há dias que Portugal só beneficiará do apoio do BCE
quando regressar aos mercados – ou seja, quando já não precisar dele.
7. Apesar de a medida ser
taxativamente prevista no respectivo Memorando de Entendimento, a República da
Irlanda não só se recusou a privatizar o seu sector eléctrico como nem sequer
separou a produção da distribuição. Estranhou-se muito por lá a pressa com que
em Portugal se despachou a EDP e a REN. É o que sucede quando governo e troika não estão do mesmo lado.
8. Quando, em Outubro de 2011, o
nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros foi interrogado sobre o sentido do
voto português no Conselho de Segurança da ONU sobre a possível admissão da Palestina
na UNESCO, retorquiu que concertaríamos a nossa posição com os aliados
europeus. Colocada a mesma questão ao seu homólogo alemão, a resposta foi pronta:
“A Alemanha votará contra”. A nossa margem negocial é escassa, mas existe – só
que não há vontade de utilizá-la.
9. A participação nas missões da
NATO no Afeganistão e na Bósnia custa ao país uns 75 milhões por ano, o
equivalente a mais de dois meses de gastos com o tão fustigado Rendimento
Social de Inserção. Mais do que para poupar recursos escassos, a retirada
serviria para mostrar aos nossos aliados o desagrado português pela forma como
por eles estamos a ser tratados.
10. Não satisfeito com
desvalorizar a importância das euro-obrigações, o nosso Primeiro-Ministro
chegou a fantasiar em Junho que a compra de dívida pública dos países em
dificuldades pelo BCE poderia conduzir a uma guerra na Europa. A sua ausência
do encontro que em 21 de Setembro juntou os líderes de Itália, Espanha, Irlanda
e Grécia era expectável: toda e qualquer iniciativa que vise reduzir a pressão
externa sobre o país merece o desdém do governo português, decerto por embaraçar
a hercúlea tarefa de empobrecimento colectivo a que meteu ombros. Não é underacting, é mesmo má vontade.
11. Na política, na guerra, na
economia ou na gestão a táctica (as famosas medidas) decorre da estratégia. A
margem de manobra é pois escassíssima quando nos limitamos a discutir programas
de acção alternativos sem questionar a política de fundo.
12. Prisioneiro do euro e sem
condições para o abandonar, pressionado por poderes externos que o esmagam,
impedido de recorrer às políticas económicas mais apropriadas, Portugal
encontra-se numa situação dificílima. Não podendo de momento ganhar, deve
esforçar-se por controlar os danos, preservar as forças e esperar o momento
oportuno para contra-atacar. Chama-se a isso defensiva estratégica.
13. Negociação exige, primeiro,
vontade de afirmar uma posição própria (aquilo, afinal, de que o governo desde
o início abdicou). Segundo, perceber o que é possível conseguir sem jamais
perder de vista o que se quer. Terceiro, fazer saber o que jamais se aceitará,
invocando se necessário os poderes que não se controla (a Constituição e a rua
são excelentes argumentos). Quarto, recorrer a todas as jogadas laterais
susceptíveis de reforçarem a sua posição, incluindo buscar novos aliados, fazer
bluff ou alargar o terreno de
confronto.
14. A estratégia até aqui seguida
pelo governo português é inteiramente consistente com o propósito de operar uma
alteração radical da relação de forças políticas e sociais no país. Assim,
quando nos perguntam por alternativas, devemos começar por questionar o
objectivo e a estratégia, e só depois atentar nas medidas que a sua
reformulação implica.
Publicado no Jornal de Negócios em 9.10.12
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